4ª PLENÁRIA NACIONAL DA APROFFIB
ASSOCIAÇÃO DOS/AS PROFESSORES/AS DE FILOSOFIA E FILÓSOFOS/AS DO BRASIL
TEMA:
A IDEOLOGIA DA ESCOLA “SEM PARTIDO”: O DISCURSO DA DOUTRINAÇÃO E OS MOTIVOS PARA
A MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS
São Paulo, 13 de setembro de 2018
THIAGO - APROFFIB
Meu nome é Thiago, sou
membro da APROFFIB, vou dirigir essa mesa. A APROFFIB é uma entidade que, a
exemplo da APROFFESP, reúne professores de Filosofia da educação básica, mas em
nível nacional. Desde ano passado, estamos tentando fortalecer nossa
organização, contado com o apoio de professores de diversas regiões do país,
para que possamos conhecer melhor as necessidades da categoria. Devido aos
recentes acontecimentos políticos pelos quais o país passou, nos últimos anos,
sobretudo com a MP 746/2016, a famosa “reforma do ensino médio”, a disciplina
de Filosofia passou a ser uma incógnita quanto à sua permanência nas escolas
públicas e privadas, uma vez que a medida provisória tira a obrigatoriedade da
Filosofia e da Sociologia como componentes curriculares.
Portanto, em nome da
APROFFIB, convido todos professores e professoras, estudantes e simpatizantes
da causa, a se juntarem a nós contra esse retrocesso. Cidadania, democracia e
injustiça social são alguns dos elementos fundamentais para a construção de um
país melhor, valores que se constroem através da educação. Educação de
qualidade precisa de pensamento crítico, análise e reflexão, em suma, Filosofia.
Junte-se a nós, faça sua
voz ser ouvida pelo poder público. Conheça a página da APROFFIB no facebook e o
site (aproffib.org) e saiba como
podemos auxiliá-los. Antes de darmos início ao tema, gostaria de, em nome da
APROFFIB, congratular a todas e todos professores que, no início desse
semestre, se recusaram a referendar a BNCC. O CONSED, por meio do MEC,
sacramentou o 2 de agosto como o Dia “D”, quando supostamente alunos e
professores conheceriam a BNCC e proporiam melhorias, mas sabiamente, antenados
com a manobra prevista, muitos professores perceberam que o interesse na
verdade era de sacramentar a ideia. Foi então que houve um levante por parte da
categoria de diversas escolas em São Paulo e de outros estados para recusar ou compactuar
com esse documento. E, ao invés disso, assinaram um abaixo assinado pedindo a
imediata anulação do mesmo e a revogação da MP 746. Sabemos que não é comum
nossa categoria se reunir por uma causa, por isso, por esse gesto, queremos
parabenizar os professores e professoras pelo dia 2 de agosto, quando muitos disseram
não em sinal de reprovação ao documento antidemocrático. Não ao desmonte da educação básica; Não à
posição arbitrária verticalizada do atual governo! A luta continua.
O tema dessa tarde é “A ideologia
da Escola sem Partido, o discurso da doutrinação e os motivos para a militarização”.
Essa temática tem ganhado projeção dentro e fora das escolas nos últimos anos,
muito tem preocupado os educadores, em especial os professores de Filosofia,
porque um debate franco e aberto em sala de aula sobre qualquer tema, política,
religião ou ideologia de gênero é inerente a aula de Filosofia.
Sabemos que, há algum
tempo, vem ganhando projeção nacional um grupo de pessoas que tenta impor a
censura aos temas que devem ser discutidos nas escolas, o chamado Escola Sem
Partido. Como acabei de dizer, são imprescindíveis o diálogo, a franqueza e a
livre manifestação de alunos, professores nas aulas de Filosofia, assim como em
outras. Portanto, qualquer tipo de censura limita a liberdade do docente, além
do que essa medida é antidemocrática e inconstitucional.
Também podemos observar
que há um número crescente de pessoas se simpatizando com ideias fascistas,
defendendo um tipo de governo autoritário e militarizado. De certo modo, isso
explica o porquê do movimento Escola Sem Partido tentar impor a censura nas
escolas. Para discutir esse assunto, vamos ouvir o autor do livro “Ditadura no
gatilho - a Violência Policial”, Jota Burato; a autora do projeto de lei Escola
Sem Censura (PL 207/2017) e vereadora de São Paulo, Sâmia Bonfim, e o autor do
projeto 578/2016 conhecido como Programa de Escola com Liberdade, deputado
estadual, Carlos Giannazi.
JOTA BURATO
É um prazer enorme estar
aqui, discutindo um tema tão polêmico, muitas vezes até pensando a sociedade e
os próprios movimentos de esquerda, aqueles ligados à educação, que se
importam, se incomodam de fato por uma educação libertadora, não uma fábrica de
gente.
Se procurarmos no que há
hoje escrito sobre a militarização das escolas, vamos achar diversas narrativas
de jornais e revistas importantes, tanto de direita como de esquerda. Analisando
como se iniciou esse processo de militarização vamos encontrar no estado de
Goiás, em 2014, uma experiência pioneira. O que aconteceu? Algo que todos nós
aqui já sabemos, que muitas vezes acontece na periferia, de todos danos que nós
temos lá. Então, tráfico de drogas no banheiro, a morte de um ex aluno dentro da
sala de aula, um homicídio, sequestro relâmpago de uma professora na frente da
escola. Isso contando com outros aspectos lá também, tidos como aspectos
violentos. Então, o governo entendeu que deveria iniciar esse processo, na
tentativa de conseguir, segundo seu ponto de vista, ministrar aulas, fazer que
aquelas crianças e adolescentes aprendessem, assim como eliminar a violência e
impor respeito aos professores e ao próximo também. A solução foi militarizar a
educação. Como? A ideia foi colocar militares na administração da escola, e
para ficarem os professores tiveram que concordar com o método.
E o que está sendo
passado nessas escolas? Conceitos e forma de ver a vida e a realidade autenticamente
militares. Além do que foi apresentado a Ordem Unida, um movimento típico
militar. Nos perguntamos, qual o problema de crianças ou adolescentes
praticarem a Ordem Unida, além de todos os movimentos militarizados nas
escolas? A continência para os professores, por exemplo, quando entram em sala
de aula. O professor e professora não são prô, é senhor e senhora, eles são do
conselho militar, de hierarquia, introduzindo assim a disciplina, que é outro
detalhe.
Então, nos perguntamos,
por que existe um movimento da Ordem Unida no meio militar? Vamos pensar, por
que eles marcham em três colunas, cada uma delas com 20 ou 25 pessoas, todos
perfilados em movimentos idênticos e obedecendo a voz de comando, alguém está
no comando daquele movimento, qual o sentido disso? Muitos vão dizer que é
trabalhar em equipe, mas existem outras maneiras de você aprender a trabalhar
em equipe enquanto um ajuda o outro. Ali, na verdade, cada um tem que fazer o
seu movimento de forma perfeita, é a maneira de como ele ajuda o próximo ou o
seu companheiro é não errando.
Então, qual é o
pensamento central da Ordem Unida? Se não a própria resposta para a ordem dada,
o pronto cumprimento para qualquer tipo de ordem, mesmo de maneira irrefletida.
Porque vem a ordem de virar esquerda e virar direita, seja para que lado for, e
todos têm que, imediatamente, cumprir dentro daquele espaço. Essa disciplina
militar é antiga, vem desde Frederico II, que levava os homens a treinamentos
exaustivos para poder suportar a guerra e todos os movimentos e obedecerem de
forma irrefletida, imediatamente. Muito bem, esse são um dos componentes que
estão nessa história.
A militarização das
escolas cresceu muito nos últimos 5 anos, estima-se um acréscimo de 12% no
país. A única região que ainda não tem, porque ano que vem o Espírito Santo
terá uma, é a Sudeste. Então, nós pulamos para 112 escolas aproximadamente nos
dias de hoje. O que eu quero, de fato, passar além de tudo isso é, primeiro, o
apoio popular que está tendo para a construção dessas escolas, os pais dos
alunos estão adorando. Em 2016, no ENEM, as sete primeiras escolas de Goiás
eram militares, então, o desempenho dos alunos melhorou bastante, assim como o
comportamento, inclusive em casa.
A grande verdade é que a
escola militarizada foi levada para a periferia e nós entendemos que, por uma
razão única, que é, de fato, docilizar a juventude periférica, controlar e
fabricar comportamentos desejáveis em pessoas. Por que isso? Por que não vão
investir na prevenção primária? Eles fizeram
isso alegando a violência das regiões periféricas, mas não vão investir na
prevenção primária, que trata a origem, não vão mexer com o sistema social, não
fizeram e não vão fazer. Então, como eles podem resolver? É controlando aqueles
que são as grandes vítimas dessas diferenças sociais.
Então, isso é virar as
costas para a educação e formar robôs, é robotizar pessoas, é formar coisas.
Estudando sobre a violência policial, em específico a Polícia Militar, entendemos
que a ideologia militar está entre os elementos determinantes desse processo. A partir do pensador Louis Althusser, que escreveu Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado,
eu consegui ver alguns elementos que explicam aquilo que nós vemos dentro da
Polícia Militar. Dentre todos esses movimentos, tornamos a falar da ordem
militar e da ordem dos movimentos corporais, que disciplinam o corpo e compõem
um processo de ideologia. Existe uma ideologia geral que é para todos nós, que
Althusser chama de ideologia dominante. A ideologia que nos faz dizer, quando
já adultos, que tudo está certo e não poderia ter sido diferente. Foi assim com meus pais, com meus avós, e por
aí vai. Dizer amém para tudo é a função da ideologia dominante e nós aprendemos
isso na família.
Althusser considerava no
tempo dele, na década de 70, século passado, que a escola era o aparelho
ideológico mais excelente, porque tinha as crianças submetidas em longo tempo,
àquela docilização dos corpos e à absorção da ideologia dominante que as levava
a ter comportamentos desejáveis. O mesmo ocorria na igreja e tantos outros
espaços. Dentro das corporações militares, além dessa ideologia geral, que é
comum a todos nós, quando o homem ou mulher entram nessa corporação, sofrem uma
nova dose, uma nova carga de ideologia militar. Então, é uma transformação do
ser social em ser militar. A partir das estruturas que o militarismo tem, a
hierarquia e a disciplina são fundamentais, esse controle ideológico e esse
sentimento de dever que é muito fortemente trabalhado e funciona como uma argamassa
que liga esses homens à ordem e aos princípios da própria hierarquia e
disciplina. Caso contrário, eles só fariam e cumpririam tais movimentos
mediante à coerção.
Neste sentido, Althusser
falava da religião que usava maneiras de se afirmar, era a manifestação da
ideologia na prática. Da mesma forma, podemos dizer do meio militar e das
polícias militares. O movimento como aspecto, como elemento de fixação
ideológica, de uma maneira de ver o mundo totalmente diferente, porque a
maneira de ver o mundo militar é diferente, ele é melhor, é mais responsável,
não é corrupto, é tudo isso que se planta nesse tipo de ótica. O tempo é muito
curto para dizer todo o processo ideológico que é feito dentro de uma
instituição militar, que modifica um homem que veio do povo, um homem que tinha
alta sensibilidade e passa a ter uma nova visão de mundo, porque se criou ali
um homem ou mulher de guerra, isso dentro da Polícia militar, Exército,
Marinha, Aeronáutica. Ou seja, alguém que era um ser comum torna-se um ser de
guerra. O que é um ser de guerra, um soldado? Um soldado foi treinado para
combate, para conflitos, para dominação de territórios e para defesa de
territórios, um homem ou mulher de guerra.
Razão pela qual, quando
falamos dos Direitos Humanos é muito difícil introduzir esse tema no meio dos
militares, porque o que é a guerra, afinal de contas? A guerra é a maior negação
que temos da humanidade. Como falar de Direitos Humanos para pessoas que estão
inseridos no pensamento de guerra? Hoje, quando nós temos a discussão acerca da
desmilitarização da própria polícia, o que seria adequado e conveniente para a
nossa sociedade, para o avanço da segurança pública? Além da resistência de
forças políticas fortes, temos esse processo da militarização das escolas, que,
como falamos, foi uma resposta ou uma forma de dar para a sociedade algo que ela
espera.
Dentro da periferia onde
não será trabalhado e nem se investirá para que a origem de todos os problemas,
sobretudo de violência, seja sanada, a resposta é tentar mudar corpos. O que
vai de acordo com a prevenção secundária, terciária, que aposta em polícia, em
leis, e por isso se fala tanto em reduzir a maioridade penal, se aposta tanto
em presídios. Então, nessa lógica, para que não haja a necessidade da polícia
agir e para que os presídios não fiquem lotados de pessoas da periferia, um dos
pensamentos é: “vamos militarizá-los, porque nós não daremos a eles a educação
que necessitam, nós não discutiremos sobre educação que pode libertá-los, nós
matamos neles o pensamento crítico e os tornamos em pessoas dóceis, que
responderão até politicamente lá na frente favoravelmente a um processo que os
cria para esse fim, que leva essa ideologia para esse fim”.
Quero agradecer a todos,
porque isso é só uma explanação de um assunto muito mais profundo, há muito
mais a se falar sobre a própria escola militarizada e o que lá ocorre. Como as
regras de comportamento que lá existem, divididas em penas leves, médias e
graves. Uma leve, por exemplo, é você utilizar óculos com a armação com cores
consideradas esdrúxulas. As médias têm a ver com o uniforme, cabelo cortado,
para cada uma delas existe um tipo de punição, advertência. Agora, existem as
graves, que dizem respeito às convenções sociais e podem ocasionar a expulsão
do aluno, o que era muito comum na época da ditadura militar, e caíam sobre quem
não queria estudar, segundo a visão deles.
Isso sem contar que nas escolas militarizadas há taxas de matrícula, uniformes
são cobrados, as mensalidades, embora pequenas, são cobradas, e muitos não
podendo pagar, sequer as procuram. Então, existe até uma elitização dessas
escolas, que estão sendo utilizadas para fim políticos também.
O que podemos dizer sobre
a Escola sem Partido, e aqui vou reprisar a opinião de um importante professor
da USP, é que esse pessoal deveria ir para cima das escolas militares, porque em
termos de doutrinação, elas são o único lugar que faz sentido, lá de fato os
alunos são doutrinados. A doutrinação já vem pela própria maneira como as
coisas são feitas. O que eles querem impedir, na verdade, é o contraponto ou a
resistência de pensamentos que possam libertar, que possam levar alunos a ter
criticidade e reflexão. Enfim, pensamentos que possam libertar essa camada
importante da nossa sociedade, para que dê fruto lá na frente, pois o único fruto
que eles querem é o amém.
CARLOS GIANAZZI
Boa tarde a todos e a
todas, é um prazer enorme estar aqui com vocês novamente na Assembleia
Legislativa, sobretudo aqui no plenário Franco Montoro. Quero saudar todas as
pessoas presentes, as delegações que vieram do interior paulista, da Baixada
Santista, da Grande São Paulo e daqui da capital. Saudar a coordenação da APROFFESP,
nossos colegas da mesa, o Thiago que está coordenando os trabalhos, o Jota que
acabou de fazer uma explanação importante sobre esse tema da escola
militarizada, nossa vereadora Sâmia aqui da capital e o João Batista que está secretariando
os nossos trabalhos.
Vocês receberam o nosso
projeto de lei 194/2015, que institui no ensino fundamental da rede estadual de
ensino a disciplina de Filosofia, resultado de uma construção coletiva, junto
com o Aldo, o Gretter, a Associação, vocês, e que nós protocolamos. O projeto
continua tramitando aqui e enfrentando obstáculos, porque, principalmente nesse
momento histórico em que eles querem retirar a Filosofia do ensino médio, nós
queremos incluir. Mas, é importante que nesse momento de retirada de direitos, nós
possamos afirmar direitos, nós não podemos ficar só na defensiva, temos que
partir para o ataque também. Nós continuamos aqui na tentativa de aprovar esse
projeto. Existem redes municipais que já implantaram a Filosofia no ensino
fundamental e muitas escolas particulares. Então, não é nada de outro mundo e
não é impossível.
Sobre Escola Sem Partido
é bom que todos saibam que esse projeto é inconstitucional, com parecer e decisão
do Supremo Tribunal Federal. Já tem parecer da Procuradoria Geral da República,
inclusive, que eu utilizei aqui para derrotar o projeto na Assembleia
Legislativa. E tem até um parecer da ONU, dizendo que é inconstitucional, o
projeto é uma aberração. Então, do ponto de vista legal, ele não tem
viabilidade, mesmo que seja aprovado numa Câmara Municipal, numa Assembleia
Legislativa, mesmo no Congresso Nacional.
Aqui na Assembleia
Legislativa nós derrotamos esse projeto em 2016, ele passou pelas comissões e
quando chegou na nossa comissão de Educação, da qual sou membro titular, eu fui
relator do projeto, dei o parecer contrário, utilizando os pareceres, inclusive
da PGE - Procuradoria Geral da República, nós enterramos o projeto aqui. Era do
deputado Luiz Fernando do PSDB, que hoje é prefeito de Jundiaí e está tentando
implantar lá, mas não tem amparo legal.
Esse projeto afronta
vários princípios da LDB, assim como da Constituição Federal e do Plano
Nacional de Educação, que nós aprovamos em 2014. Então, ele é inviável do ponto
de vista legal, o que existe ainda é um movimento que tenta, na verdade, fazer
uma pressão psicológica em cima das escolas e dos professores. Eu não gosto nem
de utilizar mais esse nome Escola Sem Partido, eu falo que é a introdução da
amordaça e da censura, é isso que eles querem fazer.
O nome é atrativo, porque
nós também entendemos que a escola não tem que ter partido político. Ela tem
que ter partido de classe social, ela toma o partido dos trabalhadores, das
classes subalternas do poder, das classes oprimidas, aí nós temos que tomar
partido, partido de classe social, não de partido político. A escola não pode
doutrinar do ponto de vista partidário ou mesmo religioso, como vem
acontecendo, isso nós somos contra. O que nós de esquerda queremos? Queremos
desenvolver o senso crítico dos nossos alunos, queremos que nossos alunos sejam
formados para o pleno exercício da cidadania, e oferecemos os elementos para
isso.
Agora, não queremos
doutrinar os nossos alunos, o próprio Paulo Freire era contra a doutrinação
para a esquerda ou direita, nós queremos uma outra coisa dos nossos alunos.
Então, é importante a gente nem usar esse nome Escola Sem Partido e dizer a
eles que nós somos contra a censura e a mordaça nas escolas. Eles ainda tentam,
de alguma forma, fazer uma pressão, tentando intimidar professores, tentando fiscalizar.
Aqui em São Paulo tivemos
algumas experiências, há duas ou três semanas atrás, em uma Escola de Educação
Infantil, a EMEI Monteiro Lobato, a professora Ângela, nossa colega da rede
municipal de ensino, foi perseguida por esses grupos porque estava trabalhando
a questão da sexualidade para combater o preconceito contra a homossexualidade.
Enfim, vocês acompanharam isso, saiu inclusive na imprensa. Ela tem um aluno,
um menino de quatro anos que pinta as unhas e, de vez em quando, vai de saia, e
as crianças começaram a questionar. Ela aproveitou esse gancho para fazer um
trabalho de combate à homofobia e ao preconceito em relação a esse aspecto da
sexualidade, que todos nós temos que fazer. A professora falou que não tem nada
demais uma criança, um menino pintar as unhas. Um pai oportunista fez um vídeo
com uma criança, com seu filho e colocou na internet e a professora acabou
sendo perseguida, hostilizada.
Nós tivemos também um
caso que a Sâmia acompanhou bastante, que é o do Holiday, vereador da Câmara
Municipal, do MBL, que andou entrando em algumas escolas da rede municipal para
tentar fiscalizar o trabalho dos professores, dizendo que os nossos colegas
estavam doutrinando os alunos. Foi em três escolas, duas da zona sul e uma da
zona leste, tentando intimidar os professores e as escolas. Imediatamente,
acionamos pela Assembleia Legislativa o Ministério Público Estadual, acusei o
vereador de abuso de autoridade, já que nenhum parlamentar pode entrar em sala
de aula para fiscalizar o trabalho de professor. O Ministério Público abriu o inquérito
civil, ele recuou e não foi mais nas escolas.
Então, é bom que vocês
saibam disso, nenhum parlamentar pode entrar na sala de aula sem autorização do
professor. Às vezes, eu vou na escola, visito muitas escolas públicas, as
municipais e as estaduais, para denunciar o abandono em que se encontram, para
cobrar que o estado faça reforma, para denunciar as superlotações das salas, a
violência, essa é a função de um parlamentar, mas não de fiscalizar o trabalho.
Eu recebo muitas
denúncias de escolas do interior, de algumas regiões, onde os professores são,
às vezes, constrangidos, perseguidos, assediados por esses grupos, por alguns
pais ligados a esses grupos MBL, Bolsonaro, esses setores mais conservadores. Então,
nós fazemos interferência e acionamos o Ministério Público, ou as Secretarias
de Educação, enfim, a gente toma medidas aqui pela Assembleia Legislativa para
inibir. Inclusive, se vocês forem vítimas e assediados por esses grupos, podem
nos procurar que a gente sabe como fazer, nós já enquadramos vários dirigentes
de ensino que estavam dando apoio para esses grupos no estado de São Paulo.
Eu entrei na rede estadual
de ensino em 1984, para lecionar História. Era fim da ditadura militar, mas ainda
era o regime, nós tínhamos no currículo escolar Educação Moral e Cívica e OSPB,
duas disciplinas que, na verdade, substituíram a Filosofia e a Sociologia, retiradas
do currículo escolar do ensino médio nos anos 1960/70, na reforma dos militares.
E nós de História também tínhamos formação para lecionar, por incrível que
pareça, Educação Moral e Cívica e OSPB.
Os conteúdos que
recebíamos nos materiais didáticos eram quase que escola sem partido, não havia
muita diferença. Eles estão reeditando isso. Inclusive, na época existia outro
cargo para o qual cheguei a ser nomeado denominado Orientador de Educação Moral
e Cívica. O professor de História ganhava 20 horas aula para organizar eventos
cívicos dentro da escola, junto com o centro cívico, na época não existia
grêmio estudantil, e que era uma tentativa dos militares de controlar o
movimento estudantil, de adestrar os nossos alunos. Para você ter acesso a esse
cargo tinha que ter uma autorização do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), era um absurdo. E, logicamente, eu
subverti o cargo e todas as aulas de Educação Moral e Cívica e OPSB, embora os
conteúdos, existiam conteúdos fossem todos nessa linha de mordaça, de censura.
Então, esse filme é velho.
O Escola Sem Partido e o debate
da ideologia de gênero, que aparece junto, é uma das coisas mais absurdas que
existe. O termo ideologia de gênero, que eles criaram, na verdade, está dentro de
um contexto maior de ataque à educação e aos trabalhadores. Estamos vivendo um
momento de retrocessos, de retirada de direitos trabalhistas, sociais,
previdenciário, de canalização de recursos públicos para setores privados. Não
é à toa que eles querem fazer, a todo custo, também agora a reforma da
previdência social.
Além de tudo isso, a lei
da terceirização, confirmada agora pelo Supremo Tribunal Federal, ataca
ferozmente o concurso público de provas e títulos, e se não for revogada a
gente não vai ter mais concurso público para professor. Inclusive, a rede
Globo, na novela “O tempo não para”, usou quase 20 minutos numa cena atacando
os professores e o concurso público numa escola da rede municipal aqui em São
Paulo, ambientada na Freguesia do Ó. O capítulo entrou no ar logo após a
decisão do Supremo Tribunal Federal, que referendou essa terceirização
selvagem.
Se não houver uma revogação dessa legislação, talvez
haverá concursos públicos somente para cargos da magistratura, auditores
fiscais, cargos que chamamos de carreira do Estado, as outras serão terceirizadas,
inclusive a nossa de professores. Aquele artigo que conquistamos com muita
dificuldade, na Constituição de 1988 - que o ingresso no magistério público seja
feito exclusivamente através do concurso público de provas e títulos - praticamente
fica neutralizado com a decisão do Supremo e com a lei da terceirização. A
Escola Sem Partido tem a ver com tudo isso, agora essa tentativa do governo de
colocar goela abaixo a Base Nacional Comum Curricular. O que eles querem é
precarizar toda a mão de obra brasileira, é isso que vai acontecer, eles querem
formar um tipo de trabalhador que não tenha mais nenhum tipo de direito
trabalhista, previdenciário, de direito social, um trabalhador terceirizado, e
aí a educação tem que preparar esse novo trabalhador.
Por isso a educação é
atacada de todas as formas, através da falta de financiamento, quando eles
aprovam a emenda 95, que congela os investimentos, inviabilizam, por exemplo, o
FUNDEB. O piso nacional salarial que conquistamos está inviabilizado e,
sobretudo, o plano nacional de educação, principalmente na última meta, a de
número 20, onde conquistamos os 10% do PIB para educação, já era pessoal,
acabou inviabilizado com essa emenda. Inclusive os planos estaduais e
municipais que já foram aprovados aqui, e que são muito ruins, ficam
inviabilizados.
Esse é o cenário, ataques
à educação de todos os lados, porque eles querem formar um aluno submisso, que
aceite passivamente essa nova conjuntura, sobretudo esse novo mercado de
trabalho precarizado: trabalhador sem
direito, ganhando muito menos, com muita rotatividade de mão de obra, sem
possibilidade de aposentadoria. Por isso é que eles querem tirar a Filosofia, a
Sociologia, rebaixar o currículo escolar no ponto de vista da formação para a
cidadania.
Então, toda essa reforma tem
a ver com a questão da superestrutura, não é à toa, ela não foi pensada
separadamente, sempre foi assim na história do Brasil, na história do mundo. O
sistema educacional sempre esteve a reboque para legitimar o sistema econômico
e o político, e é isso que eles estão tentando fazer agora. Assim como fizeram
na época da ditadura empresarial militar, adaptando a educação brasileira para
que reconhecesse e incorporasse o estado autoritário brasileiro, a ideologia de
segurança nacional. Tudo foi preparado para transmitir todo aquele aparato
ideológico dos militares e nós fomos vítimas disso, nossa educação, nós que nos
formamos naquela época na educação básica e até nas faculdades. Quem aqui não
teve educação moral e cívica? Poucas pessoas não tiveram, porque a disciplina, mesmo
com o fim do regime militar, permaneceu no currículo até 93, retirada somente no
governo do Itamar Franco. Outra que pegamos também foi a EPB – Estudo de
Problemas Brasileiros, uma disciplina obrigatória em todos os cursos
superiores, normalmente lecionada por um general do exército, por um padre
conservador, por um pastor de direita, eles escolhiam esses professores na
faculdade, em geral era assim que funcionava.
Por isso eu digo que nós
já conhecemos esse filme, projeto que estão tentando implantar de novo. Do
ponto de vista legal não há amparo, mas eles tentam fazer a disputa desse
discurso, tentando jogar a população contra nós. A gente tem que tomar cuidado,
porque aí é que mora o perigo, não é na lei, mas o que nos preocupa é a disputa
da narrativa de jogar a população contra nós.
Quando a gente vê a rede Globo gastando 20 minutos numa novela de um
horário nobre para atacar o professor, para atacar o concurso público, isso não
é à toa, isso não é um acidente, isso é deliberado, já é uma preparação. A
grande mídia empresarial vai fazer essa disputa, o que, na verdade, acontece o
tempo. Então, temos que nos preparar para fazer esse debate.
O que nos consola nesse
momento é que há resistência a tudo isso, nós estamos aqui na Assembleia
Legislativa, o projeto já está derrotado, ele não vai prosperar. Porque sempre
é um projeto de um parlamentar, não é um projeto do governo, nem o Temer mandou
um projeto como esse. São esses deputados, vereadores, senadores conservadores
fundamentalistas que encaminham tais projetos. O importante agora é fazer o
debate, um trabalho de conscientização com os pais, com os alunos sobre esse
processo. Porque o que nós defendemos é uma participação crítica, uma educação
emancipadora, libertadora, essa é a educação que nós defendemos. A educação tem
um papel fundamental, principalmente nesse momento de trevas, quando eles
atacam o setor, o Brasil, atacam a cultura.
Os grupos fundamentalistas
saíram do armário e estão desfilando e tentando ocupar espaços, mas nós vamos
ocupar espaços também, não vai ser fácil para eles. Só lembro que nesse ano de
2018 estamos comemorando os 50 anos do livro Pedagogia do Oprimido, do Paulo Freire, grande clássico mundial da
área da educação. Inclusive, estamos fazendo debates, seminários sobre os 50
anos de Paulo Freire, que é um farol, uma luz para todos nós, principalmente
nesse momento que eles tentam atacar a educação crítica, a educação
libertadora, a educação cidadã.
SÂMIA BONFIM
Boa tarde a todos e a
todas. Queria agradecer o convite para participar dessa mesa junto com vocês,
debates como esse são sempre fundamentais, poder reunir a categoria, os
professores. Mas, na conjuntura em que estamos vivendo, a nossa organização e
tudo que aponte para o aprofundamento da discussão, de organização e armação
dos trabalhadores, sem dúvida, é extremamente importante. Queria também
cumprimentar o companheiro Carlos Giannazi, que é um parceiro em várias lutas
em defesa da educação aqui no município e também todos os demais que estão aqui
no dia de hoje.
O Carlos Giannazi
comentou a respeito de um episódio que teve aqui na cidade de São Paulo, envolvendo
o vereador Fernando Holiday, que visitou algumas escolas na tentativa de fazer
a fiscalização dos professores em sala da aula. No sentido de saber se estavam
com conteúdo doutrinador, amparado na força social que o projeto Escola Sem
Partido tem. Como já foi dito, esse não é um projeto que tem viabilidade
constitucional, e é facilmente derrubado em diferentes instâncias jurídicas, já
aconteceu isso em alguns estados do país.
Entretanto, o mais
preocupante do projeto Escola Sem Partido, na verdade, é a força organizativa
de um setor mais conservador da sociedade, que, de fato, identifica no
professor o principal responsável pelos problemas gerais da falta de qualidade
que as crianças e jovens no Brasil estão submetidos na área da educação. É
muito mais fácil, diante desse momento de ajuste econômico e de retrocesso que
a gente vive no Brasil, criminalizar e culpabilizar o profissional da educação
do que identificar no plano de governo, no plano econômico e na
responsabilidade do estado a situação que, muitas vezes, as nossas crianças são
submetidas nas escolas.
Então, essa disputa de
narrativa que foi colocada sempre arrebenta para o lado mais fraco, que, muitas
vezes, é o lado dos professores. Não à toa há tantos pais que vão para cima dos
professores, culpabilizando-os por tratarem desse ou aquele assunto em sala de
aula. Semana passada, uma professora
passou por essa situação, depois ter conseguido, muito sabiamente, explicar aos
seus alunos o respeito à diversidade sexual, de orientação e identidade de
gênero, mesmo sem nenhum tipo de instrução ou de estímulo por parte do estado.
O pai culpabilizou a professora, o que teve eco na sociedade, inclusive dentro
do parlamento e na Câmara de vereadores. Dois ou três vereadores foram à
tribuna para pedir punição da professora, alegando que ela não poderia aplicar a
doutrina de gênero dentro da sala de aula. No entanto, teve o nosso combate
para respeitar uma professora que, sabe-se lá por qual motivo, tinha o preparo
para lidar com uma situação adversa como essa.
E isso não é um caso
isolado, infelizmente a gente recebe, semanalmente, relatos de professores que
são criminalizados pelos pais e, muitas vezes, pelos próprios alunos,
principalmente aqueles que são um pouquinho mais velhos e mantêm esse sentimento
conservador. Também não é à toa que a gente vê grupos como o MBL, do vereador
Fernando Holiday, se multiplicando entre a juventude, que se organizam e
disputam grêmios de algumas escolas. Em várias cidades do interior eu tive
relatos do potencial de crescimento de organização também para uma articulação
que eles fazem nas redes sociais. Então, o mais pernicioso do Escola Sem Partido,
mais do que o projeto em si ou a sua possibilidade de ser aprovado nas Câmaras
do país, é o seu potencial de organização social e de articulação desse
sentimento mais conservador e de vingança contra os professores,
responsabilizados pela qualidade do ensino, no lugar do estado.
O que, na verdade, está em
disputa com esse projeto é o plano que está avançando nas Câmaras, nos
Parlamentos e em todo o país, que é o projeto de mercantilização da educação.
Não é à toa que a emenda constitucional 95 foi aprovada, eles querem disputar o
orçamento público, querem destruir essa realidade social. Com a aprovação da
emenda, eles já deram o primeiro passo. Segundo estimativas, a partir da
emenda, a área da educação teve uma perda econômica de cerca de 24 bilhões de
reais. Então, isso significa que não há
uma possiblidade de avanço do ponto de vista do desenvolvimento no setor, mas
de retrocessos profundos. Se a gente já não tinha as condições adequadas que
gostaria, com a emenda constitucional 95 a coisa fica ainda pior.
Mas, a educação precisa
existir, o ensino básico, para que o país tenha qualquer tipo de formação,
desenvolvimento no mercado de trabalho. E é aí que mora o problema, se trata de
um projeto de mercantilização também do ensino básico, algo que já está muito
avançado principalmente na educação infantil, aqui na cidade de São Paulo. A
boa parte das CEIs, EMEIs, as chamadas creches, são feitas através de parcerias
com ONGs e OS – Organizações Sociais, que administram esses espaços. Os
professores, muitas vezes, não têm a formação adequada, não são pedagogos,
enfim, são trabalhadores que precisam tirar o seu sustento e acabam tendo que
cuidar de 30 ou 40 crianças pequenas, não raras vezes, em condições insalubres.
No ano passado a gente
teve um caso tristíssimo de uma criança que acabou morrendo numa dessas creches
conveniadas, porque a cuidadora a esqueceu debaixo do sol, foi um caso trágico,
isso não acontece todas as semanas. Mas, é sintomático do que significam essas
Organizações Sociais, que são, na verdade, verdadeiros caça níqueis do dinheiro
público, é uma verba que é repassada para que elas administrem, sem nenhum tipo
de controle social, sem profissionais com formação, com baixa remuneração. Essa mesma fórmula, que funciona
principalmente para favorecer grandes conglomerados econômicos, em sua maioria com
representação nos espaços legislativos, é a real escola com partido. Porque são
os partidos políticos que têm os seus representantes locais, que, muitas vezes,
são os responsáveis por essas OSs que administram as creches. É um modelo que
funciona para ganhar muito dinheiro e precarizar a educação e o trabalho do
profissional do setor, que se pretende replicar para outros níveis
educacionais.
Essa proposta da BNCC é
um avanço concreto e real de parte do que significa a Escola Sem Partido. É uma
proposta muito perigosa que, junto com a reforma do ensino médio, significa
reduzir a obrigatoriedade do Ensino básico para Português e Matemática. Assim
como excluir as demais disciplinas ou serem ministradas através de ensino à
distância por empresas que fariam uma subcontratação de profissionais, obviamente
com salários e condições de trabalho muito piores, rotatividade. Com uma consequente
piora na qualidade da educação dos jovens, porque nada substitui o ensino
presencial, nada substitui a complexidade e a diversidade de todas as
disciplinas e nada substitui a escola como a gente conhece, sua diversidade,
sua possibilidade de formação, de reflexão, enfim, a troca entre comunidade,
pais, alunos, etc.
A BNCC não pode passar e
a reforma do ensino médio precisa ser revogada, porque ela faz parte desse
pacote de mercantilização da educação. Há muita gente que lucraria com isso. A Kroton
e a Bahema, por exemplo, dois grandes conglomerados educacionais são os principais
articuladores dentro das Casas de poder e os principais interessados neste projeto.
Isso é muito semelhante ao que é a cortina de fumaça da Escola Sem Partido,
porque não significa só uma disputa ideológica, censura ou uma amordaça nos
professores e nos estudantes. Significa preparar uma nova geração para um
mercado de trabalho futuro que não precisa de formação de qualidade e crítica,
não precisa de uma atuação reflexiva, não espera que os jovens sejam sujeitos
sociais, sujeitos políticos, ou que os professores tenham esse papel, muito
perigoso para a ordem, que é o de contestação, de formação de estudantes, de
organização para a luta. Eles estão preparando o mercado de trabalho e uma
sociedade de alienados, de jovens que vão ser inseridos em trabalhos
intermitentes, tendo em vista o que foi a aprovação da reforma trabalhista,
contrária aos preceitos da CLT.
Somam-se a esse cenário,
o ataque à seguridade social, privatização do SUS, que também está repetindo
essa fórmula de administração por OSs, através do repasse, subcontratação. Uma
proposta da previdência que eles querem, a todo custo aprovar, tentaram aprovar
aqui no município de São Paulo para os servidores, mas não conseguiram porque
teve força, luta e organização. A greve dos servidores públicos esse ano foi um
divisor de águas no que significa o potencial de crescimento do ex-prefeito
João Dória, que quer se colocar como Governador do Estado, porque foi uma derrota
muito importante, duas ou três semanas dele abandonar o cargo para poder se
lançar como candidato ao governo.
Isso só foi possível em
função da organização dos professores, que são a maior categoria dos servidores
municipais. Infiltrados nos bairros e nas comunidades, conseguiram dialogar com
a população que apoiou a greve, porque a identificou não só como econômica ou
uma greve corporativista, como o Dória queria categorizar, mas também como uma
luta política contra um prefeito, contra um projeto de destruição dos direitos
sociais e de destruição da cidade que estava e continua em curso com o seu
substituto o prefeito Bruno Covas. Essa greve foi muito importante, porque
mostra um pouco qual é o caminho para que a gente possa barrar esses processos
de destruição dos nossos direitos, de destruição da seguridade social e também
para que a gente consiga ter força para reverter todas essas decisões que foram
tomadas principalmente a partir da ascensão do governo Temer.
É evidente que nada disso
começou com o Temer, inclusive o próprio projeto Escola Sem Partido começou a
ganhar força quando a discussão de gênero nos planos nacional, estadual e
municipal de educação, foi barrado e, coincidentemente, figuras como Jair
Bolsonaro se fortaleceram no cenário nacional. Foi exatamente em torno dessa
discussão da possibilidade de se debater gênero, discutir diversidade para que
os professores tivessem essa formação e condição de lidar com isso dento da
sala de aula. Na época, o governo do PT optou por abrir mão de fazer essa
disputa para criar uma maioria dentro das casas legislativas e essa maioria foi
junto com setores conservadores e fundamentalistas. Foi aí que eles conseguiram
se fortalecer, não à toa que a gente também assiste boa parte dessa cena
deplorável se desenvolvendo Brasil afora, com setores raivosos fortalecidos,
saindo do armário, inclusive tendo um bom desempenho nesse processo eleitoral.
O projeto Escola Sem
Partido foi se formalizando a partir dessa primeira disputa que eles
conseguiram ganhar nos planos municipais, estaduais e nacional. Agora, o
projeto de sociedade que a gente precisa disputar é tanto do ponto de vista
ideológico - diante de uma sociedade conservadora, em que existe uma tutela do
trabalho docente e do potencial de rebeldia e de desenvolvimento da juventude -
como também do ponto de vista econômico, uma disputa em torno do orçamento que
já está cada vez mais apertado nas áreas sociais. Então, nós temos muita luta
para fazer no próximo período e isso diz respeito também ao processo eleitoral
no qual estamos passando, diz respeito aos nomes que estão se fortalecendo, que
se apresentam como alternativa na televisão.
A gente vê, por exemplo,
o Henrique Meireles que fez uma proposta muito interessante e ousada. Ele falou
que tem a possibilidade de ampliação do FIES como uma forma dos jovens que saem
do ensino médio poderem seguir na formação superior. Ao mesmo tempo que propõe
algo como se fosse PROUNI da educação básica, que, em outras palavras, seria
aumentar vagas nas escolas privadas com subsídio do dinheiro público, que foi
exatamente o que aconteceu com o PROUNI do ensino superior. E isso não é um
raio em céu azul, eles não tiraram isso do nada, isso estava formulado na carta
que o Banco Mundial fez para os principais países, principalmente para os subdesenvolvidos.
Inclusive, eles apontavam para o Brasil a possibilidade de cobrança de
mensalidades em universidades, que é algo defendido pelo Geraldo Alckmin em
rede nacional. Quando ele coloca, por exemplo, o direito à creche como uma oposição
à possibilidade de os jovens estudarem em universidade públicas, como se fosse
um bando de mimados, uma elite econômica, aqueles que só querem saber dos seus
interesses, enquanto a maioria da população precisa de creche. Só que eles não
dizem que o orçamento que deveria e poderia servir para arcar com todos esses
direitos sociais é consumido por eles mesmos, pelos seus amigos banqueiros,
pelo pagamento de uma dívida pública. Na
verdade, eles desviam também boa parte desse orçamento para garantir o lucro
dessas organizações sociais.
Então, esse projeto está
sendo discutido e está avançando em nosso país, com esses principais
representantes no processo eleitoral, mas também com aqueles que eles conseguem
cooptar no seio da classe trabalhadora e que viram a sua munição e armas contra
os professores. Por isso que, mais que a nossa discussão, ou mesmo mais que a
nossa atuação parlamentar, a gente tem a responsabilidade de ir à luta e não
deixar que esse processo avance no nosso país, ou que passe impunemente sem
nenhum tipo de resistência.
Por isso eu ressalto a greve
de professores municipais porque ela foi importante para barrar um desses
processos, que é a reforma da previdência, e que nós sabemos, ano que vem,
independentemente do candidato à presidência que ganhar, eles vão querer
avançar. Então, ou a gente vai à luta por uma escola laica, livre, com
diversidade, que tenha debate de gênero, tenha respeito a diferentes
orientações sexuais, diferentes identidades de gênero, que respeite os
professores, que pague o salário, o piso nacional dos professores, porque aqui,
por exemplo, no estado de São Paulo, não acontece. Ir à luta para que se
aumente o piso salarial dos professores, que tenha investimento, que a gente
consiga revogar a emenda constitucional 95, porque não dá mais para ter perdas
bilionárias numa educação que já está precária, já está falida. Ou, de fato, a
situação do nosso país vai ficar cada vez pior e mais entregue a esses que
querem abocanhar os nossos direitos, destruir os direitos trabalhistas, e que
não querem mais que nada seja consolidado como direto, como já acontece com
alguns países do mundo.
Então, vamos à luta, não
podemos deixar que nenhum desses processos aconteçam, não somente o Escola Sem
Partido, mas todos os outros que têm o nome, talvez, menos assustador, mas que
já estão em curso e que podem significar a perda da qualidade do ensino e da
possibilidade do emprego de milhares e milhões de professores, que estão se formando
nas disciplinas que não Português e Matemática; a mercantilização do trabalho
docente e o fortalecimento dos grandes conglomerados.
DEBATE
ÁLVARO - MOGI
Queremos agradecer o
professor Carlos, que é uma importante voz de apoio para a nossa luta e que
sempre abre seu gabinete, seu mandato para as nossas demandas. Principalmente
para o pessoal do Tiete que tem uma dirigente que é seguidora do Escola Sem
Partido, inclusive, perseguindo funcionários, professores, diretores, com
processos, por simplesmente questionar o papel dela antidemocrático na nossa
região. Porém, nós estamos numa grande luta de reintegração de vários setores
da educação, diretores, professores que foram exonerados por ela em Itaquá. Em
Mogi, foi aberta uma sindicância por professores, que, inclusive, foram
perseguidos por uma diretora a mando dela, porque simplesmente questionaram a
redução de sala e a perda de uma vice-diretora, que era extremamente afinada
com a comunidade escolar.
Agora a pergunta: como o
mandato do professor Giannazi pode fazer uma ação por assédio, abuso de poder do
agente público no Ministério Público? O parlamentar poderia fazer uma visita lá
para fiscalizar as escolas da nossa região que estão em estado degradável, com
obras abandonadas há mais de dez anos? A gente queria que o Carlos Giannazi
pudesse fazer uma denúncia no Ministério Público e incluir na ALESP.
NÃO SE IDENTIFICOU
Primeiro, eu queria
começar dizendo que essa fala da Escola Sem Partido me lembrou de uma afirmação
do Paulo Freire, que educar é um ato, e queria jogar essa questão aqui para a
gente pensar. Essa discussão da Escola Sem Partido é um tanto quanto
esquizofrênica, por que para que ela seja aprovada precisa de partidos, então,
uma coisa que é sem partido precisa de partido. Acho que isso é uma discussão
que a gente tem que colocar, inclusive para a sociedade, ela tem aí um aspecto
didático para a gente poder entender isso.
Há outras questões que
aparecem como pano de fundo e que, às vezes, parecem que são naturais, por
exemplo, a meritocracia é uma questão ideológica. A competição não é uma coisa
natural do ser humano, uma categoria humana simplesmente, é algo construído
socialmente, então, por que a escola tem que ser competitiva? A escola pode ser
solidária. O professor falou aqui que estuda sobre a educação militar, a
educação militar também é uma questão ideológica. E quero fazer uma última
provocação, porque o tempo é curto aqui? Eu tenho a impressão que aqui somos
maioria esquerda e a minha pergunta é a seguinte: será que nós sempre estamos
na defensiva, para que temos sempre que nos explicar, é uma questão que parece
que a gente está sempre perdendo, sempre atrás, queria entender um pouco esse
processo.
RICARDO - GUARULHOS
Sou professor de
Guarulhos, Itaquaquecetuba e acumulo duas diretorias. Antes de perguntar,
queria afirmar que nós em Guarulhos derrotamos também o projeto escola com
mordaça e não foi fácil, mas com muita mobilização a gente conseguiu ganhar do
projeto na Câmara Municipal. Dentro do
ambiente de trabalho de vocês, aqui na ALESP, a senhora, na Câmara Municipal de
São Paulo, diante desse cenário político às vésperas das eleições, há uma
preocupação, em nível federal, com a possibilidade de emendas constitucionais,
com o avanço dessa ala conservadora que se manifesta de diversas formas, nos
três níveis de governo, há essa possibilidade de piora com a emenda, há esse
tipo de discussão nos corredores no ambiente de trabalho de vocês?
CARLOS GIANNAZI
Eu quero, antes de
responder sobre o que perguntaram aqui, dar um olhar mais coletivo sobre o
projeto de lei protocolado recentemente aqui na Assembleia Legislativa pelo
Executivo, pelo governo, sobre o professor categoria O, mudando de novo a
duzentena a quarentena. O projeto veio à Assembleia Legislativa e está em
regime de urgência, nós já apresentamos a emenda. O projeto apenas prorroga a
quarentena até o ano de 2020, só dois anos de quarentena, depois volta
novamente a duzentena, é um paliativo, não resolve a ainda a situação dos
professores categoria O. Logo que foi protocolado, nós apresentamos várias
emendas, primeiro acabando com a interrupção do contrato, nós defendemos que se
volte à situação anterior, a lei 1093 de 2009, onde não há interrupção, a não
ser quando chega o professor efetivo concursado, que assume as aulas. Essa
história de interrupção do vínculo empregatício é um absurdo total. Então, nós
apresentamos emendas para tentar melhorar o projeto. O projeto do governo
também não garante o IAMSPE, professor de categoria O continua não tendo
direito, nossa emenda garante esse direito. Nós vamos disputar e, logicamente, não
vai ser aprovado agora, estamos a 20 dias das eleições, então, ele só vai ser
votado depois.
Sobre as perguntas
levantadas, o professor Álvaro, combativo lá da região de Mogi, tem feito
vários enfrentamentos participa ativamente aqui das nossas audiências públicas
e, sobretudo da comissão da educação. Ele sempre traz denúncias aqui, porque a
situação lá é grave mesmo. E o que acontece lá, acontece em várias regiões do
estado, porque existe na rede estadual, um autoritarismo estrutural dentro da Secretaria
da Educação, mas, principalmente nas diretorias de ensino, que são mais
realistas do que o rei. Há uma tradição autoritária no aparelho burocrático das
diretorias de ensino, é um processo de perseguição mesmo, muitos professores
exonerados, afastados injustamente dos seus cargos. Nós fazemos, pela ALESP,
muitas intervenções, não só acionando a nossa comissão de educação, convocando o
secretário para depor, convocando dirigentes de ensino aqui nas comissões de
Direitos Humanos, de educação, mas sobretudo acionando o Ministério Público
Estadual em muitas situações. Então, o Álvaro tem trazido suas denúncias aqui e
outros professores também. Depois você me passa o nome desses professores que
foram agora perseguidos e exonerados, que vamos acionar o MP também.
Nós convocamos também o
Secretário da Educação para depor em relação a outros fatos, como por exemplo,
é altamente autoritário o que o Departamento de Perícias Médicas vem fazendo
com os professores readaptados. É um crime, uma agressão à dignidade humana, à
saúde e à vida dos professores readaptados. Estão cessando as readaptações e o
professor é obrigado a voltar adoecido para a sala de aula, sem a mínima
condição. Nós já acionamos o MP, que abriu, por conta da nossa representação,
um inquérito civil e está convocando o secretário de gestão, educação.
Ainda em relação a esse
fato, acionamos o Conselho Regional de Medicina, porque parece que é uma
orientação do governo. O que o governo faz? Não está contratando professores, não
faz a chamada do concurso, não contrata, então, está cortando o orçamento da
educação, e obriga os professores readaptados a voltarem para a sala de aula,
mesmo adoecidos. O mandato tem que fazer isso o tempo todo, tem que denunciar,
cobrar, convocar o secretário. Se não funciona aqui na ALESP, vai ao MT,
Tribunal de Contas, a gente tem que usar a tribuna para denunciar. Tornar
público isso, às vezes, funciona quando você dá publicidade.
O professor Ricardo
levantou uma questão que nós concordamos, a educação é ideológica para o bem ou
para o mal, tudo é ideológico, e os conteúdos são ideológicos, qualquer
conteúdo é ideológico, não há neutralidade na educação em nenhum aspecto. Eu
fico perplexo porque os defensores do Escola Sem Partido, que estão dizendo por
aí que nós estamos doutrinando os alunos, que somos marxistas, que somos
formados dentro da filosofia de Paulo Freire, é isso que eles falam, que o
Paulo Freire arruinou a educação brasileira. Eu falo assim, antes fosse, se
todos nós fôssemos marxistas, se todos tivéssemos sido influenciados pelo Paulo
Freire, o Brasil seria outro. O fato é que não existe isso, é só você entrar na
sala de aula de uma escola pública ou privada, você sabe que há pouquíssimos
professores fazendo a resistência, nós aqui não representamos o conjunto do
professorado, somos uma exceção, vocês professores de Filosofia, os professores
militantes. Porque quando você entra, no dia a dia, o cotidiano de uma escola,
pessoal, vamos ser sinceros, eu sou professor, entrei na rede em 84, dei aula
20 anos na rede estadual, estou na rede municipal de ensino desde 85, eu sei o
que é uma sala de aula, o que é uma sala de professor.
Na verdade, a educação
brasileira é altamente doutrinadora, ela doutrina para a alienação, para a
passividade. Agora, não contentes com isso, eles querem aprofundar esse tipo de
educação, piorando, calando as poucas vozes que ainda existem, que são as
nossas vozes, um absurdo total. Porque ela já é ideológica, a educação do
sistema capitalista cumpre um papel de legitimar a desigualdade social, a
dominação de classe social, as diferenças das desigualdades econômicas sociais,
é para isso que serve a escola. Agora,
nós disputamos, entramos dentro dela para disputar esses conteúdos, nós
queremos um outro tipo de escola. O Escola Sem Partido veio com esse tipo de
história, que é um absurdo, se fosse isso, seria maravilhoso, se nós todos fôssemos
marxistas, estivéssemos trabalhando Paulo Freire nas escolas, seria
maravilhoso. Mas não é nada disso, ao contrário, mas mesmo isso eles não querem
que a gente faça, nós somos poucos, a gente incomoda, por isso que eles criaram,
sem dúvida nenhuma, o Escola Sem Partido.
Depois, a última pergunta
sobre Guarulhos, parabéns, vocês derrotaram lá também com mobilização popular,
eu acompanhei a luta de vocês na Câmara Municipal, onde vocês derrotaram o
projeto inconstitucional do Escola Sem Partido. Olha, pessoal, o momento é
sério, é grave do ponto de vista nacional e aqui em São Paulo também. A gente
fica muito no nacional, aqui a situação é muito grave no estado de São Paulo. Nós
temos dois candidatos, Dória e Skaf disputando, vai ser difícil reverter essa
situação, teremos que optar entre Dória e Skaf no 2º turno, é o pior cenário
possível o de São Paulo. No Estado não tem discussão nenhuma sobre Base
Nacional Comum Curricular, a Secretaria da Educação não está estimulando isso e
a situação pode piorar. O Alckmin já disse que o primeiro projeto dele, se ele
for eleito, vai ser a reforma da previdência, vai intensificar as reformas
contra os trabalhadores, contra o povo brasileiro. Não será diferente com
Bolsonaro, e tem mais, vamos ser realistas aqui, mesmo Ciro Gomes, vai fazer
reformas, talvez não na proporção que vem fazendo Temer, e mesmo o Haddad vai
fazer reformas também, não nos iludamos aqui.
Agora, é lógico que nesse
momento a gente tem que derrotar o mal maior, tem que pensar sempre nisso. Nós
não podemos ter nem Alckmin, nem Bolsonaro, e aqui nem Dória, nem Skaf, porque
não sei o que é pior. Então, pessoal, nesse cenário, só com muita mobilização
popular, com resistência, o povo nas ruas, que a gente vai reverter essa
situação. E para concluir a nossa grande luta hoje é pela revogação de todas as
reformas, revogação contra a contrarreforma do Ensino médio, da reforma
trabalhista, da lei da terceirização, da emenda 95, nós temos que revogar todas
essas antirreformas contra o povo brasileiro, essa tem que ser a nossa luta
nesse momento.
SÂMIA BONFIM
O nosso gabinete está
sempre à disposição para receber qualquer demanda e indicação de vocês. A luta
no parlamento é também uma trincheira muito importante para fazer
enfrentamento. Acho que a greve dos servidores municipais é um exemplo de como
a gente consegue conectar a luta das ruas com a luta do parlamento. Por isso,
estamos juntos.
ALDO SANTOS
Eu queria deixar nas mãos
da Sâmia o projeto Filosofia no Ensino Fundamental para que ela possa
protocolar na Câmara Municipal de São Paulo, a exemplo do que Giannazi fez aqui
na Assembleia Legislativa. E ao fazer isso, proponho que cada um de vocês aqui
presente, o faça também na sua Câmara Municipal, para que a gente possa não só
discutir a retirada, mas a ampliação da Filosofia. Nós não estamos com medo da
retirada da disciplina do currículo, nós queremos é ampliar a Filosofia no ensino
fundamental.
VANDA
Ouve-se muito falar de
luta, que a situação é alarmante, de fato é. Nós precisamos, então, pensar num
plano de ação. Sairemos aqui com que tipo de proposta? Porque nós professores
estamos na sala de aula, o que faremos lá? Nós vamos acionar os secundaristas e
animar esse movimento, vamos nos unir, qual a pauta que sai daqui? Ou sairemos
mais uma vez cheios de ideias isoladas, cada um seguindo de modo isolado sem
ter coerência de agir em conjunto? Eu gostaria que a gente pudesse ter um
espaço para discutir o que vamos propor de ação, porque a situação é dramática,
com a BNCC e a Escola Sem Partido. Nós vamos fazer o que, ficar parados, temos
uma solução? Não, mas poderíamos aproveitar que estamos reunidos aqui para buscar
qual seria essa ação.
Sempre que eu saio desse
tipo de reunião, desses congressos, a gente ouve muita coisa, se empolga, vê
que tem uma união de classe, mas nunca há uma pauta direcionada ou uma
proposta. Não há uma discussão do que pode ser feito, como nós vamos atuar numa
situação como essa? Seria bom se os organizadores da APROFFESP pudessem colocar
um espaço para que a gente pudesse discutir sobre isso de modo mais ampliado.
ALFREDO - AMERICANA
No interior de São Paulo,
já começou uma parceria entre as escolas militares e o Estado. Eles usam o
discurso meritocrático e apresentam aos alunos principalmente a questão
financeira, dizendo que um militar no início de carreira ganha um salário de 5
mil reais. Então, a primeira coisa que eles focam são os jovens da periferia desiludidos
e usam esse discurso. O Escola Sem Partido, de alguma maneira, vem chegando e
acontecendo, por exemplo, em Brasília foi aprovada Educação Moral e Cívica.
Hoje, nós falamos muito
da questão de gênero, mas tem também a da intolerância religiosa, que tem sido
bastante presente nas escolas, principalmente contra as religiões de matrizes
africanas. Lá em Americana, em comemoração à Consciência Negra, tivemos uma
apresentação e o pessoal foi fazer uma saudação, ocasião em que professores,
dirigentes e pessoas presentes fizeram acusações e barraram uma palestra
explicando sobre a religião, só que ninguém barra ninguém de entregar o novo
testamento. Então, quer dizer, através dessas questões indiretas o Escola Sem
Partido já está chegando e entrando.
WELINTON – SÃO PAULO LESTE 5
A reflexão que eu queria
trazer é em torno de como se fortalece esse movimento contra as humanidades.
Recentemente, a gente viu um projeto de iniciativa popular, aquelas enquetes no
Senado e na Câmara, que pretendiam, inclusive, retirar as formações de
humanidades das universidades públicas. E isso se fortalece muito em cima de um
preconceito com relação à Filosofia, que gera medo e um acirramento. Preconceito
que está fundamentado dentro da nossa realidade do estado de São Paulo.
A gente tem um currículo plural
com todas as suas deficiências, que contempla a maioria das vertentes da
tradição do pensamento, desde Platão, Agostinho, Tomás de Aquino, Locke, ou
seja, a vertente liberal, a vertente marxista. Enfim, o nosso currículo é
diversificado, é plural, então, a nossa escola não é uma escola de um partido,
mas que tem várias partes. Nesse sentido, a gente precisa pensar ações e
recuperar um pouco o que é a Universidade de São Paulo, um dos principais polos
formadores do pensamento filosófico, num departamento extremamente plural,
diversificado, onde você tem Marilena Chauí, Ricardo Terra, Giannotti, enfim,
vertentes liberais. Mas só que nada disso chega a sociedade. Muitas vezes o
discurso hegemônico daqueles que tem o poder dos meios de comunicação faz com
que chegue a imagem de que o departamento de Filosofia é o lugar de marxistas e
anarquistas. Então, eu acho que a pluralidade é uma forma de a gente se
resguardar diante da sociedade, ela é uma riqueza da própria Filosofia que a
gente tem o dever de zelar.
Então, a minha reflexão é
como a gente construir uma entidade que defenda e posicione a Filosofia,
perante a sociedade, a partir da defesa da pluralidade. Na ideia de a gente
criar espaços e vencer esses preconceitos, essas pechas que foram colocadas
contra a gente e que não diz respeito. Porque quando eu estou ensinando o
Locke, eu ensino o Locke pelo Locke, fiel às ideias dele, essa é a minha
intenção, porque o aluno tem o direito a conhecer e ter acesso a esse
pensamento. Então, é muito preconceito, e como a gente pode pensar, então, a
nossa ação nesse sentido de posicionar a Filosofia, constituir, criar espaços
que represente a diversidade da democracia e a diversidade de pensamento a
partir da própria APROFFESP?
EDERSON – OSASCO
O que a gente está
fazendo com as nossas produções, há muitos trabalhos legais, mas nem sempre
ressoam na escola ou para nós da APROFFESP. Então, o que a gente pode fazer
para que esses trabalhos sejam vistos, a exemplo do professor Marcos e demais
que estão publicando livros? Que outros também possam se espelhar, que a gente
possa constituir a grade curricular de Filosofia e não por outras que vem de
fora. Porque isso vai dar um sentido maior de pertencimento.
Como a gente tem
percebido a nossa influência na vida dos alunos? Porque a gente fica muito se
importando com os colegas professores, que são vítimas também desse sistema do
fracasso escolar, e se esquece que se numa sala conseguimos atingir 20 de 50
alunos, esses 20 serão frutos.
SADI
Há quem acha que os que
acreditam no comunismo, no marxismo, são maconheiros, traficantes, gays, vagabundos
e irresponsáveis. Por outro lado, o marxismo também leva a ideia extremista, um
controle total, o comunismo, Stalin, Lenin, é uma imposição que tira a
liberdade, uma coerção que não dá uma iniciativa livre, não existe a iniciativa
privada, etc. Bom, coerção a toda a sociedade está na sociologia, é o princípio
básico. Essa dualidade aparece, por exemplo, na Globo também, quando ela faz
propaganda do agronegócio e que o agro é bom, para manter lá a reforma
agrícola, mas não a reforma agrária né. Então, a gente vê todo esse jogo de
contrários.
A respeito desse projeto
de educação, que o pessoal diz que vai avançar, sobre a escola partidária, a
gente não deve se preocupar, porque o professor é dono da sala de aula. Não
adianta nenhuma reforma educacional, porque o professor vai passar o conteúdo
que sabe, é ele que vai decidir, é o jeito dele, é o conhecimento dele, mal ou
bem, ele vai fazer isso. A questão é burocrática, o que está nas leis, que os
deputados e o legislativo criam, mas eles mesmos não obedecem e nem o
judiciário. No julgamento do Lula não tratam o que ele fez, não, é uma
discussão em cima da literatura jurídica. Então, na verdade, essa questão da
mudança da educação, de lei e etc. não serve.
JOÃO
Sobre as escolas
militares há dados ou pesquisas sobre algum tipo de projeto pedagógico, porque
a gente ouve muito a questão da disciplina e tal, mas nada sobre dados em
relação a pedagogia, os projetos que funcionam?
RESPOSTAS
JOTA MURATO
Inicialmente, vou falar
um pouco sobre o que o Ricardo colocou lá atrás, ele colocava que a esquerda
parece sempre estar perdendo. Quando a gente estuda sobre a ditadura militar,
por exemplo, em 64, a impressão que se tinha é que também a esquerda estava
perdendo, apesar de todos os movimentos. E essa impressão vinha justamente
porque você não percebia uma unidade na esquerda. Então, eram vários discursos,
vários movimentos e até um pouco antes de Jango cair ele não era unanimidade,
muitos o chamavam de traidor do movimento dos trabalhadores. Jango teve que
aguentar coisas que nós enxergamos hoje também acontecendo.
Essa falta de unidade dá
a impressão de que sempre estamos perdendo, mas acho que é muito difícil a
esquerda num país com capitalismo periférico, como o nosso, vir a perder ou
desaparecer, porque o capitalismo aqui, dado as suas contradições, vai sempre
deixar as massas empobrecidas, em situações de necessidade. Evidentemente, uma
direita, com conservadorismo, nunca vai atender as necessidades, eles não
querem, vão dar escolas militarizadas e por aí vai. Então, acho muito difícil a
esquerda perder a força com o povo. Tem-se a impressão agora, mas também com
muita reflexão, que dentro de um determinado tempo acaba se voltando às suas
origens.
A Vanda colocou sobre a
pauta, sobre a discussão da categoria mesmo, que eu acho muito legal e apoio,
vocês precisam conversar entre si. O Alfredo colocou sobre a militarização no
interior, que já tem parcerias, ainda não diretamente como se trabalha a escola
militarizada, mas é um perigo de fato, a gente tem que ficar observando, como
se busca e o que vai acontecer com isso. Trabalham meritocracia? Sim, a
meritocracia é um valor muito forte do militarismo por isso tudo aqui que eles
tiveram repassarão no meio educacional.
Então, é a meritocracia,
é o dever, a propriedade, são coisas que eles colocam e a gente percebe no seu
próprio regulamento no âmbito de comportamento. Então, qual é a ideia do
militarismo ou das escolas militares? É mudar, docilizar comportamentos. Dentro
da ótica de uma escola padrão pública que temos no Brasil, hoje, existe um
comportamento tido como violento e incontrolável e eles querem mudar isso. Como
um estado sem menor interesse em investir na origem do problema, na raiz, pode
mudar alguma coisa? Da mesma forma que aumentam o número de viaturas, de
policiais, de armas, cadeias e leis, por que não agem na prevenção primária da
criminalidade e violência?
Eles trabalham bastante a
questão da meritocracia, e é lógico, pegam aquele menino que está numa situação
socioeconômica muito ruim, abrem perspectivas para ele, que entra naquele
chamado canto da sereia, começa a sonhar, a pensar que há uma possibilidade
para ele também.
O Welinton colocou a
questão do movimento contra as humanidades, que há um bom tempo vem
acontecendo. Para que humanidades num país como o nosso? Acho que essa é a
grande questão, de olhar o sistema social em que vivemos, olhar para a história
do Brasil, da República para cá e ver todos os movimentos feitos para que o
povo fique, de fato, cada vez mais submetido e as elites sociais e políticas
possam se prevalecer sobre isso. A nossa visão política é muito diferente de
outros lugares do mundo, por conta de ser um capitalismo dependente.
Quando fiz Filosofia, estudando
Althusser, achava que desmilitarizar as polícias seria a solução para que
ficassem mais humanizadas, mais calmas. Só quando fui fazer mestrado percebi
que isso não é garantia de elas se tornarem menos violentas, existe o aspecto
da ruptura da condição da ditadura militar, que é necessário tirar o aspecto de
homens e mulheres de guerra, para que possamos lhes passar conceitos de
direitos humanos. Porque, enquanto houver essa alma neles, pode-se dar 200
horas de aula, que não entrará esse conceito para eles.
A polícia civil não é
militar e reproduz as mesmas técnicas e métodos de violência que a ditadura
militar. Os guardas civis municipais, que são formados hoje nos municípios, não
são militares, mas já começam a reproduzir essa cultura, essas crenças e os
hábitos. Então, o fim da violência é o nosso gargalo e a gente tem que pensar
como resolver isso. Então, o que a gente vai fazer com a nossa autoria? Eu
penso que é um convite, minha sugestão é ter um trabalho na escola e transformar
isso, nem que seja numa literatura de cordel, já vai estar ajudando bastante.
O Sadi destacou a pecha que
recai sobre os marxistas e o comunismo, O que vocês estão fazendo para
contrapor isso? Porque essa é uma propaganda que vem atingindo um grande número
de pessoas, inclusive nas redes sociais. Então, estava tudo lá “Fulano de tal
foi pego por desvio de dinheiro” E eles diziam “Olha lá o que o safado do
comunista ou socialista fez. ” Então, foi um trabalho muito intenso para que
demonizasse o marxismo e o comunismo, porque já vinha a ideia da Escola Sem
Partido, tudo o que eles querem é um povo dócil. De fato, se fala em partido,
mas o único partido que se fala aí é o do capital das escolas, não existe
outro. O marxismo e as ideias libertárias que possam vir são resistências
apenas, como falou o deputado.
Quando a gente pensa num
projeto pedagógico de inciativa da militarização o objetivo de quem administra
a escola militarizada é docilizar os alunos, é tirar deles toda contestação,
toda reflexão e trazer o respeito aos professores, principalmente em sala de
aula, o respeito ao estado, às famílias e a tudo o que é institucionalizado,
para o povo, tido como gente de bem. Essa é a função e o que precisa ser feito
para que cheguem nisso e para que possam produzir também? Para eles, não há
condições humanas de aprendizado na escola padrão devido a bagunça, ao crime,
então a solução é militarização, porque com um militar lá terá regras que os
alunos devem seguir e aqueles que não se adequarem estão fora, como era na
época da ditadura militar.
Quantos amigos meus foram
simplesmente expulsos da escola porque, num determinado momento, não aguentaram
a pressão do professo. Então, essa é a lógica, trazer um novo tipo de
comportamento, agora, essas escolas trouxeram de positivo? Temos que ver pelo
lado dos pais, da sociedade na qual seus filhos estão. Eles estão colocando os
filhos nessas escolas porque há uma diferença no comportamento desses alunos,
dessas crianças e adolescentes. Os pais estão gostando também, porque é uma
forma dessas crianças e adolescentes não se aproximarem do tráfico, da
criminalidade e de tantas outras coisas.
Além da questão do mérito
que se coloca na cabeça do aluno de que ele pode ser alguém de bem, com um
trabalho razoável. Então, os pais estão apoiando bastante e grande parte dos
alunos, em contrapartida, estão reclamando, dizendo que só vão para escola
porque os pais obrigam, porque lá é muito chato, cheio de regra e de rigor. Se
a menina esquece da estrela que deve ser afixada na boina, como aconteceu, ela não
entra e receberá punições.
Esse é o sistema militar e
a tendência é que essa ideologia passe a compor a vida da pessoa, o aluno vai
se sentir militarizado 24 horas por dia, assim como o policial, que não se vê
como um homem de guerra, mas como um herói da sociedade porque ele dá a vida. Fazer
ele pensar que é um herói é excelente para o sistema, porque você terá um
profissional que vai suportar maus pagamentos, condições de vida muito ruins,
essa violência toda e todas essas contradições do estado e ele vai aceitar. Por
que? Porque ele é um herói, o herói dá a vida e passa por cima de tantas
coisas. Ele tem que fazer bicos, mas isso não importa, ele é um herói. Então, a
tarefa de trazermos de volta à consciência de que são trabalhadores e não
homens de guerra ou heróis, é árdua, mas tem que ser feita.
Se vocês acompanharem as
redes sociais, a opinião dos policiais militares acerca de tudo isso que está
havendo – Bolsonaro: bandido bom é bandido morto e todas essas rudezas que
estão sendo divulgadas - vão perceber que 90% deles estão apoiando esse tipo de
pensamento, o que é muito preocupante. Porque pensar numa instituição que tem
90% de pessoas que se veem representadas por tais pensamentos e ideias dá para imaginar
como que é, de fato, essa corporação, como pensa e age.
O projeto pedagógico das
escolas militares ainda segue o conteúdo conteudista. Como eu falei, em Goiás,
em 2016, as sete primeiras escolas do ENEM eram todas militarizadas, o que é
excelente do ponto de vista. Então, quer dizer que o desempenho dos alunos
cresceu tanto assim? E é nessas escolas, então elas são maravilhosas? Para quem
está fora sim, mas não podemos nos esquecer, que nelas não está sendo
desenvolvida a cidadania. Os militares não gostam de cidadania plena, saibamos
disso. Como alguém que não gosta de cidadania plena pode ser tutor do
desenvolvimento da cidadania de alunos? Então, qual é o projeto deles? Dos
militares é a mudança de comportamento e tomada da ideia, mentes e corações.
O projeto pedagógico, que
seria aquilo que é da secretaria da educação mesmo, está indo bem, há
desempenho, vão bem nos exames, reclamar do que? Agora, reclamam sim, porque
uma escola militarizada gasta três vezes mais por aluno do que uma escola
pública normal. Se o gasto aluno de escola pública normal é de 6 mil reais por
ano, na escola militarizada ou militar chega a 18 mil reais. Para montar a
estrutura essas escolas receberam recursos financeiros, o que trouxe revolta dos
professores que não são militares, da rede normal, que dizem: “Manda esse
dinheiro e material humano para nós que vamos mostrar a vocês que tipo de
educação também somos capazes de fazer”. Então é uma concorrência desleal.
THIAGO – APROFFIB
Antes de encerrarmos,
agradecemos imensamente, em nome da APROFFIB, que aqui represento. Só queria
dizer que fizemos uma rápida conversa com a diretoria da APROFFIB sobre a fala
da professora Vanda que destacou a necessidade de termos uma ação efetiva.
Amanhã, por volta da hora do almoço, vamos nos organizar, para pensar ideias
efetivas.
https://youtu.be/l9QljRczmv8
https://youtu.be/Rsp8l5j3dAY
https://youtu.be/LdVBPmY2U3M
https://youtu.be/Jae95XrKjcU
https://youtu.be/PDtXrmfdWsg
https://youtu.be/VX-4P8Pe6qU
https://youtu.be/FELPAoK3Idk
https://youtu.be/fvPkCPIrR-Q
Prof. Aldo Santos Diretor da APROFFESP e Presidente da APROFFIB entrega para Vereadora Sâmia Bomfim (Eleita Dep. Federal Psol-SP) o Projeto para Inclusão do Ensino da Filosofia no Ensino Fundamental.
https://youtu.be/l9QljRczmv8
https://youtu.be/Rsp8l5j3dAY
https://youtu.be/LdVBPmY2U3M
https://youtu.be/Jae95XrKjcU
https://youtu.be/PDtXrmfdWsg
https://youtu.be/VX-4P8Pe6qU
https://youtu.be/FELPAoK3Idk
https://youtu.be/fvPkCPIrR-Q
Prof. Aldo Santos Diretor da APROFFESP e Presidente da APROFFIB entrega para Vereadora Sâmia Bomfim (Eleita Dep. Federal Psol-SP) o Projeto para Inclusão do Ensino da Filosofia no Ensino Fundamental.
Mesa: A IDEOLOGIA DA ESCOLA “SEM PARTIDO”: O DISCURSO DA DOUTRINAÇÃO E OS MOTIVOS PARA A MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS
Mediador: Tiago
Silva – Diretor da APROFFIB
Expositor: Jota
Murato – filósofo e autor de livro sobre violência policial
Expositor: Deputado Carlos Giannazi - PSOL-SP
Expositora: Vereadora Sâmia Bomfim (Eleita Dep. Federal - PSOL-SP)
Plenário do IV Encontro Estadual da APROFFESP
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