segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

 


Análise Crítica da Proposta Curricular de Educação Digital e Midiática do Estado de São Paulo

Autor: Valmir Paze

 

1. Introdução: currículo como ato político

Todo currículo é um ato político de produção de sujeitos. Ele não apenas organiza conteúdos, mas delimita quais saberes importam, quais sujeitos são reconhecidos e quais vidas são pedagogicamente investidas. A proposta de Educação Digital e Midiática do Estado de São Paulo se apresenta como necessária frente às transformações tecnológicas contemporâneas. No entanto, à luz de Paulo Freire, da crítica decolonial, da psicanálise e do conceito de necropolítica, torna-se fundamental perguntar: a serviço de que projeto de sociedade este currículo opera?

 

2. A promessa crítica e seus limites estruturais

A proposta assume como eixo a formação de competências digitais, midiáticas e éticas, alinhadas à BNCC. Embora se anuncie como promotora do pensamento crítico, sua estrutura permanece ancorada em uma racionalidade tecnocrática, baseada na linguagem das habilidades mensuráveis.

Do ponto de vista freireano, há aqui um risco claro: a crítica esvaziada, que ensina a operar ferramentas sem desvelar as estruturas históricas, econômicas e políticas que produzem a tecnologia. A educação digital, quando reduzida à competência, corre o risco de se tornar uma nova forma de adaptação ao mundo, e não de transformação do mundo.

 

3. Educação digital e colonialidade do saber

A ausência explícita de uma perspectiva decolonial é um dos pontos mais sensíveis da proposta. A tecnologia não é neutra: ela nasce, circula e se impõe dentro de uma geopolítica do conhecimento marcada pelo colonialismo, pelo capitalismo global e pelo racismo estrutural.

Um currículo decolonial exigiria questionar quem produz as tecnologias, as potências capitalistas e quem apenas as consome, as periferias subdesenvolvidas.

 

4. Olhares críticos: Gramsci, Mészáros e Saviani

A proposta carece de um diálogo mais profundo com as teorias críticas do capital e da educação. O filósofo italiano Antonio Gramsci nos lembra que o controle cultural e a hegemonia são centrais na reprodução social, o que implica pensar a educação digital como campo de disputa ideológica. István Mészáros enfatiza a necessidade de superar a lógica do capital que molda o uso e a produção das tecnologias. Demerval Saviani reforça a importância de uma educação que seja emancipadora, crítica e comprometida com a transformação social, o que exige um currículo que vá além da mera instrumentalização tecnológica.

 

5. Por uma pedagogia crítica da mídia: desejo, linguagem e resistência

Retomando Paulo Freire, é urgente que a educação midiática deixe de ser uma mera instrução técnica e se transforme em uma prática de leitura crítica do mundo e da realidade, que envolva a questão do desejo. 

A linguagem digital, usada como ferramenta para crescer como pessoas e sujeitos do ecossistema digital, não pode ser politicamente neutralizada.

 

6. Conclusão: currículo, desejo e emancipação, linguagem e resistência

A proposta curricular deseja a inovação tecnológica, mas ainda precisa avançar para uma pedagogia crítica que envolva:

·         Leituras cruzadas que promovam análises de meios, vídeos, jogos e práticas culturais, em diálogo com autores como Althusser, Foucault, Bell Hooks e Djamila Ribeiro;

·         Cartografias escolares que mapeiem os aplicativos e estratégias digitais usadas pelos alunos, estimulando o pensamento crítico; 

·         Articulação entre a escola e as experiências digitais dos alunos, visando a inovação pedagógica; 

·         Formação docente que permita a escuta ativa e a reflexão crítica para inovar os processos educativos.

A análise acima visa colaborar na reflexão crítica sobre os impactos das novas tecnologias na educação de nossas crianças e jovens, procurando incorporar teorias pedagógicas que vão além e fazem uma crítica severa ao tecnicismo e à tecnoburocracia que constantemente tentam instrumentalizar a educação pública em seu viés reducionista e refém do mercado.


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