Segundo a conveniência de cada um ou da ideologia da “Igreja Particular dos Iluminados pelo espírito de porco” – IPIEPO
É verdade que a Bíblia pede para não criticarmos o governo?
Está correndo nas redes sociais um texto bíblico do livro do Eclesiastes (Eclesiástico 10, 20) que o senhor Jair Bolsonaro e seus fanáticos apoiadores usam para puxar a sardinha para a sua brasa (dele), ou melhor, justificar sua incompetência em governar o país e suas maluquices e maldades, deturpando e/ou tirando fora do contexto a citação bíblica, o que os fariseus e falsos profetas sempre fizeram no decorrer da história das religiões. Eis o que diz a mensagem que recebi num grupo de WhatsApp hoje:
O versículo citado, atribuído ao Rei Salomão, citado do Livro do Eclesiastes, tem a seguinte versão na tradução da Bíblia de Jerusalém para a Língua Portuguesa (Ed. Paulinas, 1985). Esta Bíblia de Jerusalém teve como tradutores dezenas de especialistas de diversas denominações religiosas e é considerada a mais fiel aos originais dos livros bíblicos, escritos em Hebraico, Aramaico, Grego e traduções posteriores em Latim. Eis a citação:
“Nem em pensamento amaldiçoes o rei, não amaldiçoes o rico, mesmo em teu quarto, pois um pássaro do céu poderia levar a voz, e um ser alado contaria o que disseste.” (Eclesiastes 10, 20)
Como se nota, este livro bíblico é escrito numa época complicada para o povo de Israel, ameaçados pelos babilônios, e havia muitos perigos para andar falando mal das autoridades estabelecidas que, segundo o mesmo texto, diz também:
“Se a indignação daquele que comanda se levanta contra ti, não deixes teu lugar, pois a calma evita grandes pecados. Há um mal que vejo debaixo do sol, erro que vem do soberano: a insensatez ocupando os mais altos postos e ricos se assentando em lugar baixo.” (Eclesiastes 10, 4 – 6)
Notaram que bastou pegarmos outros versículos do mesmo texto que já notamos contradições: não devemos falar mal do rei, ao mesmo tempo que se reconhece que o mal vem do soberano? Ou devemos ter cuidado ao criticar os poderosos quando estamos num regime autoritário, opressor? Este livro do Eclesiastes se preocupava com a insegurança do povo e buscava ensinar a sabedoria para sobreviver aos percalços enfrentados pelo povo oprimido. Ora, o profeta aqui não está dizendo que é para falar bem do rei e dos governantes, mas para tomar cuidado, pois senão poderá ser delatado, preso, perseguido, morto, etc. É o que vemos até hoje nas ditaduras, não é verdade?
Poderíamos tecer inúmeras reflexões sobre o texto e a publicação de apenas uns versículos fora do contexto pelo SBT, fazendo ecoar a voz do presidente Bolsonaro que se passa por religioso, evangélico, qualquer coisa, qualquer time ou torcida, para se dar bem com a população tendo em vista que ele, parece, só pensa em sua reeleição em 2022 em vez de governar o país e ajudar a sairmos dessa crise sanitária devido à pandemia e seus impactos na economia.
Entre uma citação e outra de versículos bíblicos fora do contexto, pois com a Bíblia podemos louvar a Deus e também mandar matar como já ocorreu na história, o então e ainda presidente Jair Bolsonaro dá um passeio de motocicleta nas capitais do país, acompanhado de uma turba que nega as quase 500 mil mortes pela Covid-19 que, afinal de contas, não passa de uma gripezinha mesmo! Todos morreremos mesmo, não é? No entanto, uns morrem aos 80, 90 anos, depois de uma vida bem vivida, com toda a assistência médica e alimentação de primeira, cartões corporativos permitindo gastos milionários, “rachadinhas”, enquanto outros morrem contaminados nos ônibus e metrôs superlotados indo para o trabalho e milhões na fila do desemprego, dependendo de uma sexta básica doada por almas caridosas e outras nem tanto, pois sabem que uma revolta popular pode levar-lhes os anéis.
Para finalizar, voltando à citação bíblica, faço aqui a minha citação contextualizada de um tal Jesus de Nazaré quando Ele chama a atenção de seus discípulos que tomem cuidado com os falsos profetas:
“Cuidai que ninguém vos engane. Muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu, o Cristo; e seduzirão muitos.” (Mateus 24, 3 – 5)
Parece-me foi Espinosa que, muito perseguido por ter uma visão de Deus diferente da judaico-cristão, afirmou que a pior das ideologias é a “ideologia religiosa”, pois ela é totalizante, ela não permite nenhuma contestação, já que quem a usa fala “em nome de Deus”! Como debater com “Deus”? Mas para nos deixar mais tranquilos, lembro aqui uma das regras de discernimento dos “Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola” que nos dá uma dica valiosa: é preciso distinguir entre a voz do Espírito Santo e a voz do demônio; a primeira nos traz profunda paz, harmonia e amor, enquanto a segunda só provoca confusão, ódio e desamor. A “voz do Espírito Santo” eleva para o sublime, enquanto a “voz do demônio” nos atira para os infernos! O difícil é distinguir qual é a voz do tinhoso e qual é a de Deus! É preciso certamente ser “amigo da Sabedoria”, ou seja, ser “Philo-Sophos”!
Mas não confundamos essa Paz com a paz dos cemitérios e da omissão dos que, por medo, covardia, proveito próprio ou submissão, se aliam aos poderosos e opressores. Um abraço sincero e votos de ânimo na luta a todos os que promovem a VIDA!
São Paulo, 14 de junho de 2021.
Prof. Chico Gretter
Filósofo, agnóstico, diretor da APROFFESP