quinta-feira, 10 de maio de 2018

A fundamental presença da Filosofia/Ciências Humanas no currículo escolar: A farsa do "novo ensino médio"



            Consideramos que a presença das Ciências Humanas e da Filosofia é fundamental no currículo escolar do ensino médio e também do fundamental. Todavia, o viés tecnicista da Lei n° 13.415/17 e da nova Base Nacional Comum Curricular – BNCC não levam em conta a formação integral dos jovens; eles estão preocupados mesmo é com a preparação de mão de obra para o mercado de trabalho no sistema capitalista, o grande “deus” que tudo domina; não é este o conceito que temos de “mundo do trabalho”, que envolve todas as dimensões do ser humano, em que a categoria do trabalho surge como essencial para a realização individual e social de cada um e de todos. Para os defensores do tal “novo ensino médio”, a educação humanista, crítica, criativa não entra na conta de seus cifrões!

Voltemos ao “novo ensino médio” e suas fundamentações político-filosóficas, se é que as tem. Pelo menos na proposta do componente curricular de Filosofia e História, para citar apenas duas disciplinas, o que vemos no site do MEC é uma peça frágil em se tratando do aspecto teórico-metodológico, pois não há unidade, não há referência às grandes linhas do pensamento filosófico-educacional brasileiro e mundial; a proposta do MEC é superficial, incompleta, desarticulada, apresentando um rol de conteúdos esparsos, conseguindo ser pior do que os “cadernos do professor” distribuídos pelos governos tucanos através da Fundação Vanzolini, uma terceirizada que reuniu várias equipes dispersas para produzir os materiais que compõem o currículo da escola pública paulista.

Não foi no que deu o tecnicismo dos tempos da ditadura? Não ocorreu a piora na qualidade do ensino e precarização da carreira do professor, a ponto de o próprio governo militar de João Figueiredo, em 1982, chamar uma reforma da educação com a volta das disciplinas clássicas?

Para mostrar esse viés tecnicista da lei do “novo ensino médio”, propagandeada já há meses através de matéria paga pelo governo federal no rádio e na TV Citemos aqui somente a questão das “áreas do conhecimento” que compõe o currículo: Os PCNs (1999) traziam três áreas do conhecimento, a saber: I. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; II. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; III. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Posteriormente a Matemática, dado à pressão que o lobby dos matemáticos exerceu, foi desmembrada e passou a figurar como uma área específica a mais (!?). E na atual Lei 13.415/17, aparece uma quinta área denominada “Formação técnica e profissional”.

O fato da Matemática isolada compor uma “área do conhecimento”, bem como a formação técnico-profissionalizante, é um indício forte de que os objetivos da nova lei têm um viés tecnicista e profissionalizante. A exclusividade da Língua Portuguesa, do Inglês e da Matemática, se tornando as únicas matérias obrigatória do Currículo do ensino médio, além da Educação Física contemplada depois, e a retirada da obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia com a supressão do Artigo 36 da LDB, cuja alteração em 2008 garantia a obrigatoriedade das mesmas, atestam inequivocamente o tecnicismo da proposta curricular da Lei 13.415/17 aprovada em fevereiro do ano passado.

Cumpre ressaltar que, assim como a Filosofia e a Sociologia, as demais disciplinas continuam não sendo obrigatórias pela nova Lei, sejam as Ciência Naturais (Física, Química e Biologia), sejam as Ciências Humanas (História e Geografia) e também a Educação Artística! Exceto Português e Matemática, nenhuma disciplina está garantida!

Embora a falsa propaganda diga o contrário e apela para o “poder de escolha dos jovens”, a lei do “novo ensino médio”, conforme análise da maioria dos importantes especialistas em educação do país, continuará reproduzindo a velha escola dualista tradicional, tanto socialmente como epistemologicamente. A escola dualista que marca a história da educação brasileira desde a colônia, forma, de um lado, os filhos dos trabalhadores como mão de obra profissionalizante para o mercado de trabalho e, do outro, forma os filhos da classe dominante (burguesia) para perpetuarem a dominação, tanto política como econômica, científico-tecnológica e cultural. A escola dualista ainda continuará reproduzindo o dualismo dos que realizam o trabalho físico, manual, técnico-repetitivo (mesmo em “altas funções” no setor de serviços) e daqueles que se formam como intelectuais do sistema, seja no campo da ciência e da tecnologia, como no campo das mídias, da cultura, da política e da educação!

Então, que saída podemos vislumbrar para romper com o tecnicismo, o dualismo e o elitismo da educação brasileira? 

Nós, educadores da escola pública em todos os níveis, ainda podemos reagir antes que a quadrilha que se apossou do Brasil feche o cerco de vez e faça aprovar todas as suas reformas a mando do neoliberalismo mundial, como a reforma trabalhista e a PEC 241 que foi aprovada em 2016, congelando os gastos públicos por vinte anos!

 Mas ainda podemos ainda lutar nas instâncias estaduais, nos conselhos de educação, nas conferências, nas ruas, junto aos nossos alunos, suas mães e pais trabalhadores. Não será fácil, mas é possível. Precisamos reagir a essa cruel investida dos inimigos da educação pública de qualidade, das Ciências Humanas em geral e da Filosofia, em particular.

Deixamos claro aqui que não somos contra a modernização da educação, que não somos contra o ensino tecnológico e a preparação para o mundo do trabalho; nós educadores conscientes não somos contra a tecnologia e nem contra o mercado, nem contra a formação profissional e a competência que devemos ter, além do nosso compromisso com a formação humana e com a humanidade, com os valores da ética e da cidadania. Somos contra a deturpação que fazem desses valores, contra a farsa de reformas que não levam em conta os verdadeiros problemas que afetam a educação e os educadores do país. Somos contra o engano dos que, certamente iludidos pela propaganda, acreditam nessas reformas que não mexem nas verdadeiras causas da baixa qualidade da educação em nosso país, como é o caso da desvalorização da carreira do professor.

Mas a questão da Filosofia não é apenas teórica, acadêmica, de definições da verdade relativa ou absoluta, mas uma questão prática; e a práxis é o critério da verdade. Mas a práxis não é ativismo, o agir por agir, pois a prática sem Teoria é cega, da mesma forma que a teoria sem prática é alienação, parafraseando as “Teses contra Feuerbach”, de Karl Marx, cujo nascimento há duzentos anos comemoramos no último dia 05/05. Esta verdade da Dialética é insuperável, pois mostra a Razão que se projeta na consciência e na realidade não como coisa, objeto, mas como movimento dinâmico do ser histórico-social em construção permanente e sempre inacabado. Esta revolução epistemológica operada por Marx é o fundamento e a condição de possibilidade de todas as demais revoluções.

Assim sendo, quando defendemos a presença essencial da Filosofia e das Ciências Humanas no processo educativo e consequentemente no currículo do ensino médio, não estamos defendendo um interesse corporativo desta ou daquela disciplina; os que a atacam a Filosofia e querem eliminá-la das escolas, da educação, do currículo, da sociedade o fazem com muitos argumentos filosóficos ou falácias que seduzem e enganam os que vivem no senso comum. A Filosofia e os filósofos da luta jamais deixarão os enganadores em paz. Estamos apenas defendendo o direito de todos os jovens de terem acesso ao patrimônio cultural, científico, tecnológico, ético e político da humanidade e que possam refletir sobre todos eles. Negar isso aos jovens e aos professores é negar a própria essência da educação.


*Francisco P. Greter é professor universitário e do ensino médio, mestre em Filosofia e História da Educação – FEUSP/1997, conselheiro estadual da APEOESP, membro da TLS – Trabalhadores  na Luta Socialista e presidente da APROFFESP – www.aproffesp.org

2 comentários:

  1. Parabéns professor, um meio para frear o bozó facista, que tem interesse somente em destroi nosso país.

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