Consideramos que a presença das
Ciências Humanas e da Filosofia é fundamental no currículo escolar do ensino
médio e também do fundamental. Todavia, o viés tecnicista da Lei n° 13.415/17 e
da nova Base Nacional Comum Curricular – BNCC não levam em conta a formação
integral dos jovens; eles estão preocupados mesmo é com a preparação de mão de
obra para o mercado de trabalho no sistema capitalista, o grande “deus” que tudo
domina; não é este o conceito que temos de “mundo do trabalho”, que envolve
todas as dimensões do ser humano, em que a categoria do trabalho surge como essencial para a realização individual e social
de cada um e de todos. Para os defensores do tal “novo ensino médio”, a
educação humanista, crítica, criativa não entra na conta de seus cifrões!
Voltemos ao “novo ensino médio” e
suas fundamentações político-filosóficas, se é que as tem. Pelo menos na
proposta do componente curricular de Filosofia e História, para citar apenas
duas disciplinas, o que vemos no site do MEC é uma peça frágil em se tratando
do aspecto teórico-metodológico, pois não há unidade, não há referência às
grandes linhas do pensamento filosófico-educacional brasileiro e mundial; a
proposta do MEC é superficial, incompleta, desarticulada, apresentando um rol
de conteúdos esparsos, conseguindo ser pior do que os “cadernos do professor”
distribuídos pelos governos tucanos através da Fundação Vanzolini, uma
terceirizada que reuniu várias equipes dispersas para produzir os materiais que
compõem o currículo da escola pública paulista.
Não foi no que deu o tecnicismo dos
tempos da ditadura? Não ocorreu a piora na qualidade do ensino e precarização
da carreira do professor, a ponto de o próprio governo militar de João
Figueiredo, em 1982, chamar uma reforma da educação com a volta das disciplinas
clássicas?
Para mostrar esse viés tecnicista
da lei do “novo ensino médio”, propagandeada já há meses através de matéria
paga pelo governo federal no rádio e na TV Citemos aqui somente a questão das
“áreas do conhecimento” que compõe o currículo: Os PCNs (1999) traziam três
áreas do conhecimento, a saber: I. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; II.
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; III. Ciências Humanas e
suas Tecnologias. Posteriormente a Matemática, dado à pressão que o lobby dos
matemáticos exerceu, foi desmembrada e passou a figurar como uma área
específica a mais (!?). E na atual Lei 13.415/17, aparece uma quinta área
denominada “Formação técnica e profissional”.
O fato da Matemática isolada compor
uma “área do conhecimento”, bem como a formação técnico-profissionalizante, é
um indício forte de que os objetivos da nova lei têm um viés tecnicista e
profissionalizante. A exclusividade da Língua Portuguesa, do Inglês e da
Matemática, se tornando as únicas matérias obrigatória do Currículo do ensino
médio, além da Educação Física contemplada depois, e a retirada da
obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia com a supressão do Artigo 36 da
LDB, cuja alteração em 2008 garantia a obrigatoriedade das mesmas, atestam
inequivocamente o tecnicismo da proposta curricular da Lei 13.415/17 aprovada em
fevereiro do ano passado.
Cumpre
ressaltar que, assim como a Filosofia e a Sociologia, as demais disciplinas
continuam não sendo obrigatórias pela nova Lei, sejam as Ciência Naturais
(Física, Química e Biologia), sejam as Ciências Humanas (História e Geografia)
e também a Educação Artística! Exceto Português e Matemática, nenhuma
disciplina está garantida!
Embora a falsa propaganda diga o
contrário e apela para o “poder de escolha dos jovens”, a lei do “novo ensino
médio”, conforme análise da maioria dos importantes especialistas em educação
do país, continuará reproduzindo a velha escola dualista tradicional, tanto
socialmente como epistemologicamente. A escola dualista que marca a história da
educação brasileira desde a colônia, forma, de um lado, os filhos dos
trabalhadores como mão de obra profissionalizante para o mercado de trabalho e,
do outro, forma os filhos da classe dominante (burguesia) para perpetuarem a
dominação, tanto política como econômica, científico-tecnológica e cultural. A
escola dualista ainda continuará reproduzindo o dualismo dos que realizam o
trabalho físico, manual, técnico-repetitivo (mesmo em “altas funções” no setor
de serviços) e daqueles que se formam como intelectuais do sistema, seja no
campo da ciência e da tecnologia, como no campo das mídias, da cultura, da
política e da educação!
Então, que saída podemos vislumbrar
para romper com o tecnicismo, o dualismo e o elitismo da educação
brasileira?
Nós, educadores da escola pública
em todos os níveis, ainda podemos reagir antes que a quadrilha que se apossou
do Brasil feche o cerco de vez e faça aprovar todas as suas reformas a mando do
neoliberalismo mundial, como a reforma trabalhista e a PEC 241 que foi aprovada
em 2016, congelando os gastos públicos por vinte anos!
Mas ainda podemos ainda lutar nas instâncias
estaduais, nos conselhos de educação, nas conferências, nas ruas, junto aos
nossos alunos, suas mães e pais trabalhadores. Não será fácil, mas é possível.
Precisamos reagir a essa cruel investida dos inimigos da educação pública de
qualidade, das Ciências Humanas em geral e da Filosofia, em particular.
Deixamos claro aqui que não somos
contra a modernização da educação, que não somos contra o ensino tecnológico e
a preparação para o mundo do trabalho; nós educadores conscientes não somos
contra a tecnologia e nem contra o mercado, nem contra a formação profissional
e a competência que devemos ter, além do nosso compromisso com a formação
humana e com a humanidade, com os valores da ética e da cidadania. Somos contra
a deturpação que fazem desses valores, contra a farsa de reformas que não levam
em conta os verdadeiros problemas que afetam a educação e os educadores do
país. Somos contra o engano dos que, certamente iludidos pela propaganda,
acreditam nessas reformas que não mexem nas verdadeiras causas da baixa qualidade
da educação em nosso país, como é o caso da desvalorização da carreira do
professor.
Mas a questão da Filosofia não é
apenas teórica, acadêmica, de definições da verdade relativa ou absoluta, mas
uma questão prática; e a práxis é o critério da verdade. Mas a práxis não é
ativismo, o agir por agir, pois a prática sem Teoria é cega, da mesma forma que
a teoria sem prática é alienação, parafraseando as “Teses contra Feuerbach”, de
Karl Marx, cujo nascimento há duzentos anos comemoramos no último dia 05/05.
Esta verdade da Dialética é insuperável, pois mostra a Razão que se projeta na
consciência e na realidade não como coisa, objeto, mas como movimento dinâmico
do ser histórico-social em construção permanente e sempre inacabado. Esta
revolução epistemológica operada por Marx é o fundamento e a condição de
possibilidade de todas as demais revoluções.
Assim sendo, quando defendemos a
presença essencial da Filosofia e das Ciências Humanas no processo educativo e
consequentemente no currículo do ensino médio, não estamos defendendo um interesse
corporativo desta ou daquela disciplina; os que a atacam a Filosofia e querem
eliminá-la das escolas, da educação, do currículo, da sociedade o fazem com
muitos argumentos filosóficos ou falácias que seduzem e enganam os que vivem no
senso comum. A Filosofia e os filósofos da luta jamais deixarão os enganadores
em paz. Estamos apenas defendendo o direito de todos os jovens de terem acesso
ao patrimônio cultural, científico, tecnológico, ético e político da humanidade
e que possam refletir sobre todos eles. Negar isso aos jovens e aos professores
é negar a própria essência da educação.
*Francisco
P. Greter é professor universitário e do ensino médio, mestre em Filosofia e
História da Educação – FEUSP/1997, conselheiro estadual da APEOESP, membro da
TLS – Trabalhadores na Luta Socialista e
presidente da APROFFESP – www.aproffesp.org
Parabéns professor, um meio para frear o bozó facista, que tem interesse somente em destroi nosso país.
ResponderExcluirSim, temos de fundamentar nossa proposta! 👍✊
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