domingo, 30 de dezembro de 2012

Minha vida é andar por esse País...



No dia 13 de dezembro passado, comemoramos o centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, o rei do Baião. Nesse dia tenho lembrança do terço de Santa Luzia, pois minha mãe rezava religiosamente esse terço todos os anos pagando uma promessa que fez por ocasião de um acidente no olho do meu irmão Valter que estava trabalhando na roça, e, sem condições efetivas de ir ao médico, a população pobre sempre recorria a fé e aos ditos milagres. 

Nesse natal ganhei de presente de Minha filha dois livros sobre a vida e obra de Luiz Gonzaga e sobre o Gonzaguinha, “seu filho”. 

Conclui a leitura do Livro, A vida do Viajante: A saga de Luiz Gonzaga, escrito por Dominique Dreyfus, publicado pela editora 34 Ltda. Foi um deleite essa leitura, rica em detalhes e de narrativa fluente. O livro de certa forma conta a trajetória do povo sofrido da região e de Luiz Gonzaga, filho de Santana e do velho Januário e dos demais irmãos e irmãs que ao longo de suas vidas foram determinantes na trajetória musical do garoto que rompeu os laços familiares ainda precocemente, serviu o exército em Fortaleza, buscou a fama no Rio de janeiro mais nunca esqueceu suas raízes e o cantar do povo do nordeste. 

Foi vítima do preconceito e do racismo incrustado na cultura nordestina, assim como em grande parte do nosso País. Foi migrante que cantou como ninguém as mazelas sociais perpetradas historicamente pelo regime e governos que sempre os defendeu ao longo de sua existência. Foi um pai acolhedor, pois, mesmo sabendo no seu íntimo que o Gonzaguinha ao que tudo indica não era seu filho legítimo, não o descriminou. Foi um homem obstinado pela superação do estado de miséria que cantou e enfrentou durante parte de sua vida, sempre temperado com uma vida de fartos amores e conflitos conjugais. 

As suas caravanas pelo Brasil divulgando suas canções e obras, era uma profissão de crença no seu povo,pois além da divulgação fazia o enfrentamento ao poder das grandes gravadoras, além de inovação no seu marketing em busca da consolidação de um reinado conquistado as duras penas, agora consagrado por pessoas simples e por toda sociedade brasileira com destaque até em nível internacional. 

Sua trajetória foi pontuada de altos e baixos, de acordo com o contexto político e musical de determinados momentos da música brasileira. Os compositores renomados como Humberto Teixeira e Zé Dantas, bem como Patativa do Assaré e outros contribuíram fortemente para o sucesso e conquista do mercado, a partir do conteúdo que as musicas expressavam. 

O livro é uma viagem na História, pois relata as secas do nordeste, menciona Padre Cícero, retrata a figura corajosa de Lampião, discorre sobre o conflito das famílias em Exu, comenta de passagem sobre a coluna Prestes, repercute o governo de Getúlio Vargas, convive com Juscelino Kubistchek, e, com os militares sempre teve bom relacionamento, apesar de ser questionado sobre o conteúdo das musicas criticas de Gonzaguinha sobre o regime militar e a ditadura. 

A crônica “Homens, coisas e letras” de José Lins do Rêgo, citada na página 171 do referido livro, descreve com precisão sobre a importância e significado da Música de Luiz Gonzaga ao afirmar que: ”Gonzaga trouxe uma novidade à musica brasileira. Trouxe o sentimento melódico das extensões sertanejas, das léguas tiranas, das asas brancas, do gemer dos aboios.As tristezas dos violeiros se passaram para sua sanfona(...) Pode-se dizer que Gonzaga renovou com suas interpretações, com a sua forte personalidade de cantor, um meio que andava convencional, sem originalidade, banalizado por meia dúzia de bocós que vive a roer as heranças do genial Noel Rosa.O que nos prende ao cantar de Gonzaga, é o que nos arrebata em Noel, é a simplicidade da melodia, é a doce música que ele introduz nas palavras, a magia dos instrumentos, a candura de alma tranquila que se derrama nas canções.” 

Mesmo o opositor de outrora como Fernando Lobo foi obrigado a reconhecer que: “O baião atingiu todos os públicos: povinho, povão, classe média, classe alta. Os cassinos, que na época estavam abertos, tocavam Nat King Cole, Cole Porter e, de repente, um baião, com violino e tudo, e o público dançava”. 

O contexto do nascimento de Luiz Gonzaga era de grande seca e miséria vivida pelos seus pais. Foi nesse contexto que em 13 de Dezembro de 1912 na fazenda Caiçara nasceu o futuro Rei do baião, sendo batizado na Igreja Matriz de Exu em 05 de janeiro de 1913. 

O gosto e a influência musical foi passada pelo Velho Januário que era sanfoneiro e consertador de fole e sanfona. 

Com a leitura desse livro entendi um pouco mais o quanto a musica de Luiz Gonzaga é tão forte na minha família, haja vista que meus pais viveram no auge do sucesso de Gonzaga e certamente meus irmão foram embalados desde a mais apoucada idade com as melodias desse importante personagem que criaram identidade cultural e até as origens e raízes são as mesma, de seca, sofrimento e todo tipo e dificuldades. 

No ano em que nasci, Gonzaga gravou o “Xote das meninas”, além de outras musicas.Percebam que todo imaginário cultural musical e simbólico estava vinculado a personalidade e ao canto de Luiz Gonzaga. 

Lembro-me que nos finais de ano na casa da minha mãe aquelas músicas era um alento e servia de rememorização das dificuldades sofridas pelos nossos pais e pelos os irmãos mais velhos. Era uma música que doía fundo, como um reencontro com o pé de serra, com o mandacaru, com o juazeiro, com a missa dos vaqueiros, com a valentia de um povo que se tornou valente pelo simples desejo de viver e criar dignamente os filhos, e ao mesmo tempo cantaram, enfrentavam e viveram a “súplica cearense” e a “triste partida” deixando tudo pra trás. 

O sentimento era um misto de raiva, revolta, choro contido e consciência de que isso um dia vai ter que mudar. Então, as musicas de Luiz Gonzaga para o Nordestino ainda representa a “Asa Branca” que bateu asa e não retornou para reencontrar com a sua história, nem fez o acerto de conta com os que expulsaram de suas terras, pela indústria da seca e da miséria. Falta uma espécie de acerto de conta com os coronéis, com os governantes, com os mandatários do poder que confiscaram o direito a vida em sua terra natal ao homem do sertão. 

Hoje, mesmo com as condições de vida um pouco melhor em relação aquele universo, ainda existe um vazio, uma lacuna, um gemido dos nossos antepassados que foram vítimas dessa crueldade para com o homem simples dos rincões e sertanejos desse país. 

Portanto, a leitura desse livro nos remete a essa profunda reflexão em busca de nossa verdadeira identidade e construção de uma nação de iguais e não um país com farrapos simbólicos, numa espécie de “apátridas”. 

Embora não concordamos com sua postura política/ eleitoral, inegavelmente o velho “LULA” cantou a alegria e sofrimento de um povo e viveu sempre apaixonado por amores ocasionais do início ao fim da sua carreira artística. 

Mesmo adoentado tentou a separação de sua mulher para se casar com seu novo romance a Zuita, sendo demovido da ideia por pressões familiares. 

Mesmo no final da vida sempre estava tentando o novo e sempre estava com a agenda cheia de compromissos. Porém, em 02 de agosto de 1989, morre Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, aos 77 anos de idade. 

O livro ressalta toda a sua história e a reimpressão da terceira edição em 2012 no centenário de seu nascimento significa que sua influência ainda é significativamente grande no cenário musical brasileiro e como patrimônio histórico da cultura brasileira. 

Por último, o cantor e compositor Gilberto Gil ainda corrobora: “Eu, como discípulo e devoto apaixonado do grande mestre do Araripe, associo-me às eternas homenagens que a história continuamente prestará ao Nosso Rei do Baião”. 

Aldo Santos-Filho do Ceará, Coordenador da APEOESP-SBC, Presidente da Aproffesp e militante do Psol, 

Um comentário:

  1. ALDO, parabéns pelo artigo e quero ressaltar o que você disse: "Embora não concordemos com sua posição política..." reconhecemos a grande contribuição que deu ao cantar a vida de seu e nosso povo.

    A esquerda precisa aprender mais com os artistas e reconhecer o papel revolucionário da arte, como escreveram Breton-Trotski.

    Sobre isso, Leiam artigo de Hugo Allan Matos e Chico Gretter publicado do Encarte do Professor da revista FILOSOFIA, N°77, dez/2012.

    Grande abraço e um ótimo ano novo de luta!

    Chico Gretter

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